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“Tempos dos gentios” – quando começam e quando terminam? (Parte 1)

Fonte da ilustração:
http://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/402015523


“Jerusalém será pisada pelas nações, até se cumprirem os tempos designados das nações [“tempos dos gentios”, Al].”- Lucas 21:24.


Na sua grande profecia a respeito de sua “presença” qual Rei e da “terminação do sistema de coisas”, Jesus incluiu informações sobre o que aconteceria com os israelitas como povo, por o terem rejeitado e perseguido Seus seguidores: “Outrossim, quando virdes Jerusalém cercada por exércitos acampados, então sabei que se tem aproximado a desolação dela. Então, comecem a fugir para os montes os que estiverem na Judeia, e retirem-se os que estiverem no meio dela, e não entrem nela os que estiverem nos campos; porque estes são dias para se executar a justiça, para que se cumpram todas as coisas escritas. Ai das mulheres grávidas e das que amamentarem naqueles dias! Porque haverá grande necessidade na terra e furor sobre este povo; e cairão pelo fio da espada e serão levados cativos para todas as nações; e Jerusalém será pisada pelas nações, até se cumprirem os tempos designados das nações.” – Lucas 21:20-24; Mateus 24:3.
     
Fiel a essa profecia, os exércitos romanos cercaram a cidade em 66 EC e logo se retiraram, permitindo a fuga dos cristãos. Em 70 EC retornaram e sitiaram a cidade, resultando em “grande necessidade” e em “furor sobre este povo” – os judeus. Estes últimos caíram mesmo “pelo fio da espada”, sendo que muitos deles foram “levados cativos”, morrendo posteriormente de forma trágica. Mas o que intriga muitos estudiosos são as palavras finais de Lucas 21:24: “E Jerusalém será pisada pelas nações, até se cumprirem os tempos designados das nações [“até que os tempos dos gentios se completem”,  Almeida Corrigida e Revisada Fiel.].”

Essa afirmação de Jesus compreende pelo menos quatro elementos: 1) Jerusalém; 2) as nações; 3) o ‘pisoteio’; e 4) o tempo em que tais nações ‘pisariam’ Jerusalém. Isso suscita algumas perguntas pertinentes: O que representa Jerusalém no texto em pauta? Quando começou o ‘pisoteio’? Quantos tempos isso duraria? Quando terminaria? O que aconteceria no fim desse ‘pisoteio’? Vamos analisar cada um desses elementos.


Jerusalém e as nações

Quando Jeová estabeleceu o pacto da Lei com os israelitas em 1513 AEC, estes se tornaram uma nação sob a Teocracia, ou governo divino. (Êxodo 19:5, 6) O termo “nações” refere-se aos povos alienados da nação de Israel, que constituía o povo de Deus. Tais “nações” eram religiosamente pagãs e idólatras. No período dos reis de Israel, o Rei Davi decidiu fazer de Jerusalém a capital do governo nacional de Israel. Sua intenção era construir um templo fixo naquela cidade para o nome de Jeová. Tal escolha daquela cidade se deu sob orientação divina. O Rei Salomão, filho de Davi, explicou: “Bendito seja Jeová, o Deus de Israel, que falou com a sua própria boca com Davi, meu pai, e que pelas suas próprias mãos deu cumprimento, dizendo: ‘Desde o dia em que fiz meu povo sair da terra do Egito não escolhi cidade dentre todas as tribos de Israel, a fim de construir uma casa para que o meu nome mostrasse estar ali, e não escolhi homem para que se tornasse líder do meu povo Israel. Mas escolherei Jerusalém para que o meu nome mostre estar ali e escolherei a Davi para vir a estar sobre o meu povo Israel.’” – 2 Crônicas 6:4-6.

Assim, Jerusalém se tornou a capital da nação de Israel e de seu reino teocrático. Por possuir o templo, tornou-se também o centro da adoração de Jeová. Conforme observamos nas palavras de 2 Crônicas 6:5, 6, desde a saída do povo israelita do Egito Jeová não havia escolhido “homem para que se tornasse líder do [seu] povo Israel”. Foi o povo de Israel que exigiu um rei humano, pedido que Jeová interpretou como rejeição do exercício de seu governo sobre o povo. (1 Samuel 8:7) Contudo, Jeová acrescentou: “Mas ... escolherei a Davi para vir a estar sobre o meu povo Israel.” Em harmonia com Sua própria vontade, expressa nesse texto, Jeová concluiu com Davi um pacto, ou acordo, para estabelecer em sua linhagem o reino “por tempo indefinido”. (2 Samuel 7:12-16; Salmo 89:35-37) De acordo com esse pacto, os descendentes de Davi reinariam sob a direção de Deus até que viesse “Siló”, palavra que significa “Aquele a Quem Pertence” e que identifica a pessoa do Messias, Jesus Cristo. – Gênesis 49:10; Lucas 1:30-33.

Assim, Jerusalém se tornou a capital do reino terrestre de Deus [1] e o centro nacional da adoração verdadeira – a única cidade em toda a Terra sobre a qual Jeová colocara seu Nome. (1 Reis 11:36) Depois que a Arca do pacto – símbolo da presença de Deus – foi transferida para lá, e quando o santuário do templo ou casa de Deus foi ali construída, Jerusalém tornou-se figurativamente ‘residência de Jeová’. (2 Samuel 7:1-7, 12, 13; Salmo 132:13, 14; 135:21; 1 Crônicas 29:23) Hoje, a menção de Moscou e de Washington não identifica apenas duas cidades, mas sim duas nações, das quais tais cidades são capitais. Ademais, na época da guerra fria, identificava dois poderosos blocos políticos e econômicos. De modo similar, a menção de Jerusalém estava atrelada ao seu significado.


O ‘pisoteio’
     
Na Bíblia, o gesto de pisar ou pisotear – quando referente à ação de uma nação contra outra – era símbolo de subjugação, que envolvia também a humilhação da nação dominada. (Josué 10:24; 2 Samuel 22:41; Salmo 18:40) Quando Jerusalém – cidade representativa do governo teocrático e da religião nacional de Israel – começaria a ser ‘pisoteada’?

Alguns argumentam que esse ‘pisoteio’ é algo futuro. Tentam dar uma interpretação futurista ao texto de Lucas 21:24, associando-o com Revelação (Apocalipse) 11:2, que menciona que as “nações pisarão a cidade santa por quarenta e dois meses”. Apesar de a fraseologia ser semelhante, Lucas diz respeito à Jerusalém terrestre com toda a sua representatividade, cujo templo foi destruído em 70 EC. Por outro lado, Revelação aponta para uma “cidade santa” simbólica que tem “templo”. (Apocalipse11:1) Ademais, no relato de Lucas, a cidade de Jerusalém sofre o ‘pisoteio’, ao passo que em Revelação é apenas o “pátio” da “cidade santa” que é ‘pisado’. (Apocalipse 11:2) Simplesmente, não podemos unir passagens que possuem alguma similaridade, mas que não têm nenhuma relação entre si. [2]
     
Além disso, se lermos as palavras de Jesus em Lucas 21:20-24 isoladamente, quando muito chegaremos à conclusão de que o referido ‘pisoteio’ começou em 70 EC, com a destruição da cidade pelos exércitos de Roma. Alguns argumentam que o tal ‘pisar’ foi um resultado direto do cerco da cidade. Apresentam o cerco como a causa e o ‘pisoteio’ como o efeito. (Lucas 21:20, 24) Nessa linha de raciocínio, o ‘pisoteio’ teria começado em 70 EC. Mas, seria esse o caso?

Afirmar isso seria desconsiderar o estilo linguístico de Lucas como escritor. Embora esse evangelista apresente a narrativa em ordem cronológica, ele também cita acontecimentos num arranjo tópico, ou temático. Notamos um exemplo dessa última característica no próprio capítulo 21 de seu Evangelho.  Em primeiro lugar, Lucas 21:23, 24 não especifica as duas fases da “grande tribulação”, (como o fazem os dois outros evangelistas que relataram a grande profecia de Jesus,) mas condensa tudo num único evento e fala de seu resultado final. (Compare com Mateus 24:21, 22 e Marcos 13:19, 20.) Em segundo lugar, apenas Lucas apresenta “vistas aterrorizantes e grandes sinais do céu” junto com outros acontecimentos que marcariam a “terminação do sistema” desde o começo, como guerras internacionais, fome, pestilências e terremotos, (Lucas 21:9-11) sendo que esse acontecimento específico – “vistas aterrorizantes e grandes sinais do céu” – tem o seu cumprimento após a tribulação ‘abreviada’. Como sabemos disso? Primeiro, porque Mateus e Marcos – e o próprio Lucas – colocam os “sinais do céu” nessa sequência de tempo. (Mateus 24:29; Marcos 13:24, 25; Lucas 21:25, 26) Segundo, porque a História secular dá testemunho de “vistas atemorizantes” no período após a primeira fase da “grande tribulação”. (Com relação a esta última afirmação, veja A Sentinela de 15/2/94, p. 19, nota.) 
     
Portanto, é uma característica comum do estilo de Lucas associar eventos por ordem temática ao invés de cronológica. (Veja Lucas 3:19-21.) Como exemplos adicionais disso, podemos citar que apenas Lucas registra o rasgar da “cortina do santuário” ANTES da morte de Jesus, ao passo que os outros dois evangelistas colocam o evento DEPOIS da morte de Cristo. (Compare Lucas 23:44-46 com Mateus 27:50, 51 e Marcos 15:37, 38.) Lucas registra a ruptura ou rasgamento da “cortina do santuário” antes da morte de Jesus porque associou esse evento milagroso tematicamente – e não cronologicamente – com a “escuridão” miraculosa que de fato ocorreu antes da morte Dele. De modo similar, Lucas fala da prisão de João Batista antes do batismo de Jesus num sentido parentético e temático, porque ele estava falando da atuação de João em repreender Herodes Ântipas.
     
À base disso, afirmar que o registro de Lucas 21:20-24 identifica uma ação de causa e efeito cronológica seria desconsiderar esse aspecto do estilo de escrita desse evangelista. E a Bíblia como um todo mostra que o relato de Lucas 21:20, 24 não apresenta uma sequência temporal (cronológica) de causa e efeito. 

Como já mostrado neste estudo, o ‘pisoteio’ não pode ter começado nessa segunda destruição registrada de Jerusalém, visto que fazia séculos que essa cidade com toda a sua representatividade já estava dominada pelas “nações” gentias. Como já vimos, o ‘pisoteio’ figurado, na Bíblia, é símbolo de subjugação humilhante. Quando Jerusalém foi destruída em 70 EC, ela era possessão romana, e antes disso havia sido subjugada pela Grécia. É óbvio, portanto, que o ‘pisoteio’ ou subjugação por parte de nações gentias não começou em 70 EC, mas muito antes disso. Então, quando começou?     Os termos do pacto que Jeová fez com Davi incluía fornecer uma dinastia régia aos israelitas, até a vinda do Messias, Jesus Cristo, o profetizado “Siló”. (Gênesis 49:10) Mas, devido à infidelidade dos sucessivos reis dessa linhagem, Jeová permitiu que essa expressão de Sua Soberania fosse interrompida quando a nação sob esse governo foi subjugada pelos babilônios em 607 AEC, que destruíram o templo e a cidade de Jerusalém, levando uma grande comunidade de judeus ao exílio. A partir de então, a nação judaica manteve-se sob o jugo de potências gentias – depois de Babilônia, a Medo-Pérsia, a Grécia e, na época de Jesus, a potência romana. Para entendermos a real natureza do ‘pisoteio’, são fundamentais as palavras de Jeová ao último rei da linhagem de Davi por ocasião da conquista babilônica: “Remove o turbante e retira a coroa. Esta [a coroa] não será a mesma. … Também, quanto a esta [a coroa], certamente não virá a ser de ninguém, até que venha aquele que tem o direito legal, e a ele é que terei de dá-lo.’ – Ezequiel 21:26, 27.

Obviamente, a profecia mostra uma interrupção na linhagem de reis descendentes de Davi, com quem Jeová havia feito o pacto do Reino. Essa interrupção só seria sanada quando o representante legal com direito ao Reino – o Senhor Jesus Cristo – fosse entronizado qual Rei. (Lucas 1:30-33; Hebreus 10:12, 13; Salmo 110:1, 2) Embora Jerusalém fosse posteriormente reconstruída com seu templo, ela nunca mais figurou como capital de um governo soberano, com um rei da linhagem de Davi no poder. De fato, a partir de 607 AEC, ela passou a ser “pisada” – subjugada sucessivamente – “pelas nações”. Tomando por base o contexto da Bíblia como um todo, o que Jesus disse e Lucas registrou é que o ‘pisoteio’ – iniciado com a subjugação humilhação da cidade e, por consequência, de sua representatividade como reino expresso da Soberania divina em 607 AEC – continuaria até que os “tempos dos gentios” fossem ‘completados’. – Lucas 21:24.

Com o fim do pacto da Lei em 33 EC, e principalmente com o fim do sistema judaico em 70 EC, a Jerusalém terrestre perdeu sua identidade representativa de uma nação teocrática, sendo disputada posteriormente por europeus e turcos por causa de sua posição estratégica. [3] Mas a profecia de Ezequiel 21:25-27, que afirmava o cumprimento do pacto davídico pela restauração do Reino a um descendente de Davi, teria de se cumprir. As “nações” continuavam a reinar sem haver um Rei da linhagem de Davi no trono. Naturalmente, o reino de Israel, representado por sua capital, Jerusalém, era apenas uma expressão da Soberania Universal de Jeová. Mas, com o ‘pisoteio’, essa expressão da Soberania divina deixou de existir. Só voltaria a haver uma expressão ou ramificação da Soberania de Jeová quando Jesus fosse entronizado com Rei. Isso cumpriria o pacto do Reino (2 Samuel 7:12-16), a profecia de Jacó (Gênesis 49:10) e a profecia registrada em Ezequiel 21:25-27.
     
Resta agora descobrir o período de tempo em que tais nações ‘pisariam’ o que foi representado pela Jerusalém terrestre e que foi interrompido quando esta começou a ser “pisada”. Essa questão será abordada na parte 2 deste artigo.

Notas:
[1] O reino teocrático de Israel exercido na linhagem de Davi era uma expressão – ou ramificação – da Soberania Universal de Jeová. Por isso dizia-se que tais reis sentavam-se no “trono de Jeová”. – 1 Crônicas 28:5; 29:23.
[2] A Bíblia usa o termo “Jerusalém” em quatro sentidos diferentes: 1) a Jerusalém terrestre; 2) a “Jerusalém de cima” (Gálatas 4:26); 3) a “Jerusalém celestial” (Hebreus 12:22); e 4) a “nova Jerusalém”. – Apocalipse 21:2.
[3] Quando a Jerusalém terrestre perdeu o seu papel representativo, por metonímia (transferência) a sua representatividade de expressão ou ramificação da Soberania Universal de Jeová continuou a ser pisada pelas “nações” no sentido de ter continuado a interrupção dessa expressão no que diz respeito ao cumprimento do pacto do Reino. Isso figurava como uma aparente vitória de Satanás, o “deus deste sistema de coisas” e, por conseguinte, o deus das “nações” do mundo. – 2 Coríntios 4:4.



A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, publicada pelas Testemunhas de Jeová.




Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org





Comentários

  1. Maravilhosa matéria irmão! Que Jeová continue te abençoando para que você possa continuar nos ajudando com argumentos para o campo. Fique com Jeová!

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𝐄𝐒𝐓𝐄 É 𝐔𝐌 𝐒𝐈𝐓𝐄 𝐃𝐄 𝐍Í𝐕𝐄𝐋 𝐀𝐂𝐀𝐃Ê𝐌𝐈𝐂𝐎. 𝐀𝐎 𝐂𝐎𝐌𝐄𝐍𝐓𝐀𝐑, 𝐔𝐒𝐄 𝐋𝐈𝐍𝐆𝐔𝐀𝐆𝐄𝐌 𝐀𝐂𝐀𝐃Ê𝐌𝐈𝐂𝐀, 𝐒𝐄𝐌 𝐈𝐍𝐒𝐔𝐋𝐓𝐎𝐒, 𝐒𝐄𝐌 𝐏𝐀𝐋𝐀𝐕𝐑𝐀𝐒 𝐃𝐄 𝐁𝐀𝐈𝐗𝐎 𝐂𝐀𝐋Ã𝐎. 𝐍Ã𝐎 𝐑𝐄𝐏𝐈𝐓𝐀 𝐎𝐒 𝐀𝐑𝐆𝐔𝐌𝐄𝐍𝐓𝐎𝐒 𝐑𝐄𝐁𝐀𝐓𝐈𝐃𝐎𝐒, 𝐍Ã𝐎 𝐃𝐄𝐒𝐕𝐈𝐄 𝐃𝐎 𝐀𝐒𝐒𝐔𝐍𝐓𝐎. 𝐒𝐄 𝐄𝐒𝐓𝐀𝐒 𝐑𝐄𝐆𝐑𝐀𝐒 𝐍Ã𝐎 𝐅𝐎𝐑𝐄𝐌 𝐂𝐔𝐌𝐏𝐑𝐈𝐃𝐀𝐒, 𝐒𝐄𝐔 𝐂𝐎𝐌𝐄𝐍𝐓Á𝐑𝐈𝐎 𝐒𝐄𝐑Á 𝐑𝐄𝐏𝐑𝐎𝐕𝐀𝐃𝐎.

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