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Judas 4 apoia a Trindade? (Parte 2)



Fonte: jw.org

O artigo anterior mostrou que a versão do Texto Crítico para Judas 4 não apoia a Trindade.

No Texto Recebido, ocorre a inserção da palavra “Deus”, fazendo o texto rezar:

tòn mónon despóten Theòn, kaì Kýrion hemõn Iesoûn Khristòn[1]
O único Dono, Deus (5) e Senhor de nós Jesus Cristo

Pela sexta regra de Sharp, “Deus e Senhor” teriam de se aplicar a seres DISTINTOS, visto que os dois nomes – “Deus” e “Senhor”, embora ligados por kaíNÃO SÃO PRECEDIDOS POR ARTIGO (o artigo ho se refere ao substantivo “Dono”). Talvez essa seja a razão de algumas traduções fazerem distinção entre essa ocorrência adicional de “Deus” e “Jesus Cristo” nessa passagem da carta de Judas. Assim, a regra que foi criada visando a apoiar a Trindade acabou se posicionando contra tal doutrina nessa passagem no Texto Recebido!

A inserção espúria da palavra “Deus” foi feita evidentemente visando a provar a Trindade, por tentar subsidiar uma das propostas dela: que Jesus seja “Deus-Filho” (expressão que nem aparece na Bíblia). Porém, a regra de Sharp, que foi construída e exaustivamente ‘refinada’ para tentar provar a Trindade acaba DESMENTINDO tal doutrina nesse versículo!

De qualquer forma, a referida sexta regra (assim como a primeira) também não tem suporte no grego empregado no texto bíblico, pois em certas passagens ela conflita com o CONTEXTO.

Portanto, a regra que se extrai do grego bíblico é a de que, quando o CONTEXTO determina a existência de duas pessoas ou coisas DIFERENTES, e ambas forem ligadas por “e” (καί), se a primeira pessoa (ou coisa) for precedida pelo artigo definido, não é necessário repetir o artigo definido antes da segunda pessoa (ou coisa). Neste caso, o artigo estará subentendido. O estudo com o tema “Jesus Cristo é o ‘grande Deus’ mencionado em Tito 2:13? demonstrou que a regra da elipse da repetição do artigo tem suporte na gramática do grego bíblico. O texto-padrão de Westcott e Hort distingue claramente o “nosso Deus” de “nosso único Dono e Senhor, Jesus Cristo”.

Comentário de Saga:

Em português, na Almeida Corrigida e Revisada Fiel (com base no Textus Receptus), Judas 4 parece trinitário: “Porque se introduziram alguns, que já antes estavam escritos para este mesmo juízo, homens ímpios, que convertem em dissolução a graça de Deus, e negam a Deus, único dominador e Senhor nosso, Jesus Cristo.” – ACRF.

Mas, ao ver a passagem em outras línguas, essa impressão desaparece.

A King James (A ACRF é tipo uma cópia da KJ, só que passando do inglês para o português) distingue neste verso o “Senhor Deus” [“Lord God”] do “Senhor Jesus” [“Lord Jesus”]. Sendo por isso que, em inglês, este texto não costuma ser usado pelos trinitários:

“For there are certain men crept in unawares, who were before of old ordained to this condemnation, ungodly men, turning the grace of our God into lasciviousness and denying the only Lord God, AND our Lord Jesus Christ (o único Senhor Deus, E nosso Senhor Jesus Cristo).” – KJ.

O ponto é que mesmo na leitura do Receptus, a passagem ainda não fica trinitária – digo isso com apoio da própria KJ!

Vejo que traduções baseadas no Texto Crítico entendem que aqui os dois termos gregos para “senhor” – o “Despótes” e o “Kýrios” – se referem à mesma pessoa, enquanto que as baseadas no Receptus entenderam que “despótes” é referência à pessoa de Deus e que “kýrios” é referência à pessoa de Jesus, duas pessoas.

O Apologista da verdade:

Contudo, algumas traduções parecem tendenciosamente dar apoio à Trindade numa sutil tentativa de igualar Cristo a Deus. Fazem isso por traduzirem a palavra despótes (aplicada no texto a Cristo) por “Soberano”, fazendo essa parte do texto rezar: “O nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo.” – IBB; veja também NVI, ALA, BP, CNBB.

Embora esse substantivo grego seja aplicado “a alguém que possui autoridade suprema, ou posse absoluta e poder sem limite”[2], esse significado não tem caráter absoluto, mas está dentro dos limites contextuais que cercam o uso do termo, uma vez que o mesmo também é usado para humanos – donos de escravos, conforme os textos bíblicos abaixo:

“Tantos quantos forem escravos debaixo dum jugo estejam considerando os seus donos [déspotas] dignos de plena honra, para que nunca se fale de modo ultrajante do nome de Deus e do ensino. Além disso, os que tiverem donos [déspotas] crentes não os menosprezem, porque são irmãos. Ao contrário, sejam escravos com tanto mais prontidão, porque os que recebem o proveito do seu bom serviço são crentes e amados. Persiste em ensinar estas coisas e em dar estas exortações.” – 1 Timóteo 6:1, 2.

“Os escravos estejam sujeitos aos seus donos [despótais] em todas as coisas e lhes agradem bem, não contradizendo.” – Tito 2:9.

“Os servos domésticos estejam sujeitos aos seus donos [despótais] com todo o temor devido, não somente aos bons e razoáveis, mas também aos difíceis de agradar.” – 1 Pedro 2:18.

“Despótes” pode ser traduzido por “Soberano” quando a referência é a Deus, o Pai. Observe isso nas passagens bíblicas abaixo:

”Agora, Soberano Senhor [dépota], deixas o teu escravo ir livre em paz, segundo a tua declaração.” - Lucas 2:29.

“Ouvindo isso, elevaram unanimemente as suas vozes a Deus e disseram: ‘Soberano Senhor [Dépota], tu és Aquele que fez o céu e a terra, e o mar, e todas as coisas neles.’” – Atos 4:24.

E gritaram com voz alta, dizendo: ‘Até quando, Soberano Senhor [despótes], santo e verdadeiro, abster-te-ás de julgar e vingar o nosso sangue dos que moram na terra?’” – Revelação 6:10.

Mas, visto que o quadro total apresentado nas Escrituras sobre a pessoa do Filho o coloca numa condição de subordinação ao Pai, o termo despótes, quando aplicado ao Filho, seria corretamente traduzido por “dono” ou “mestre”, como fazem diversas traduções: 

“Nosso único Mestre e Senhor Jesus Cristo.” – Sociedade Bíblica Britânica.

“Jesus Cristo, o nosso único Mestre e Senhor”.  NTLH.

“Jesus Cristo, nosso único Mestre e Senhor.” – Bíblia Ave Maria.

“Nosso único Dono e Senhor Jesus Cristo.” – Nova Bíblia de Jerusalém (em inglês); The New American Bible; NM.

A parte 3 e final desta série analisará como diversas traduções da Bíblia vertem Judas 4.


Notas:

[2] Obra “Estudo Perspicaz das Escrituras”, vol. 3, p. 612, com base em Vine’s Expository Dictionary of Old and New Testament Words, 1981, Vol. 3, pp. 18, 46.

Explicação das siglas usadas:

ACRF: Almeida Corrigida Revisada Fiel.
ALA: Almeida Atualizada.
BP: Bíblia Pastoral.
CNBB: Bíblia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
IBB: Almeida da Imprensa Bíblica Brasileira.
NM: Tradução do Novo Mundo.
NTLH: Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
NVI: Nova Versão Internacional.



A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradaspublicada pelas Testemunhas de Jeová.


Contato: oapologistadaverdade@gmail.com


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