Contribuído.
A
excomunhão é o ato que a igreja ou congregação tem para com um de seus membros
e se refere a removê-lo e rejeitá-lo como sendo membro da comunidade de
crentes. Não sei exatamente como a questão da excomunhão/desassociação é
tratada em cada movimento religioso, mas sei que existe na Igreja Católica
(ICAR), entre as Testemunhas de Jeová (TJs) e na Igreja dos Santos dos Últimos
Dias (ISUD), cujos membros são conhecidos como
“mórmons”. Neste artigo, explicarei brevemente como se dá a excomunhão
nessas três denominações e também como o protestantismo tradicional costumava
enxergar as palavras de Paulo em 1 Coríntios, capítulos 5 e 6.
Posteriormente,
no próximo artigo, mostrarei quais são os pecados listados na Bíblia como base
para a excomunhão/desassociação.
OBS: Neste artigo os termos “excomunhão”, “expulsão” e
“desassociação” são usados de forma intercambiável. |
A excomunhão no catolicismo romano
Na
ICAR existem vários tipos de excomunhão, desde mais brandas até mais severas.
·
Excomunhão de participantes – Para aqueles que mantém contato com o membro que foi publicamente
excomungado;
·
Excomunhão menor – Limita-se à privação dos sacramentos;
·
Excomunhão maior - É aplicada contra os membros que são culpados de heresia ou
em determinados pecados de escândalo. O excomungado é privado de receber e
administrar os sacramentos, de assistir aos ofícios religiosos, da sepultura
eclesiástica, dos sufrágios da religião, de toda dignidade eclesiástica, do
relacionamento com os demais fiéis, etc. Quando a Excomunhão Maior se pronuncia
solenemente ou num concílio e vai contra a heresia, chama-se também anátema, ou
seja, os excomungados são considerados amaldiçoados.[1]
Existe uma lista específica estabelecida no Código de Direito
Canônico de ações que incorrem em excomunhão; a lista foi revisada em janeiro
de 1983 pelo Papa João Paulo II e passou a incluir os seguintes pecados:
·
Profanação das espécies
sagradas;
·
Violência física contra o
Papa;
·
Absolvição por um
sacerdote do cúmplice do pecado da carne;
·
Consagração ilícita de um
bispo sem mandato pontifical;
·
Violação direta do segredo
da Confissão pelo confessor;
·
Apostasia;
·
Heresia;
·
Cisma;
·
Aborto;
A excomunhão entre as Testemunhas de Jeová
As TJs usam a nomenclatura “desassociação”
para referir-se ao que o catolicismo chama de “excomunhão”. Em resumo, a
desassociação para as TJs inclui o fim de toda a comunicação com o desassociado,
e inclui até mesmo a proibição de uma saudação como “bom dia!”, ou “olá”. O
desassociado não poderá participar ativamente durante reuniões, embora possa
assistir a elas, quer dizer, não poderá falar com ninguém durante as reuniões,
nem comentar nelas. Não é permitido que qualquer palavra seja direcionada a um desassociado
e nem mesmo atender a um telefonema que seja identificado como procedente do
ex-membro. Nenhum membro da congregação pode manter contato com um
desassociado, a menos que seja parente e more na mesma casa; e mesmo neste caso
não poderá haver qualquer comunicação de caráter espiritual/religioso com o
desassociado. O descumprimento de qualquer uma destas regras resultará na
desassociação daqueles que continuarem a se comunicar com o desassociado.[2]
A desassociação é feita por
anciãos em um julgamento privado, fechado, que não pode ser gravado. O réu também não tem direito a um advogado. A
congregação é apenas informada da decisão dos anciãos, não podendo
questioná-la. Se um membro da congregação discorda da decisão dos anciãos e
continua tratando o membro que foi expulso como irmão, tal pessoa também será
expulsa.
É difícil saber ao certo a lista
de pecados de desassociação, pois alguns foram removidos[3]
e outros adicionados, e o número tem aumentado significativamente nas últimas
décadas. O livro Pastoreiem o Rebanho de Deus (2020), que é o livro para
anciãos, lista em média 39 pecados de desassociação. A seguir, apresento alguns:
·
Imoralidade sexual (porneía).
o Segundo a definição dada pela liderança das TJs, não precisa
incluir penetração, orgasmo, nem contato pele com pele, nem relação sexual para
que porneía seja consumada, ou seja, duas pessoas plenamente vestidas
que não fizeram sexo podem ser culpadas de porneía, segundo a liderança
da organização;[4]
·
Evidências de imoralidade
sexual;
·
Casamento adúltero;
·
Abuso de menores;
·
Impureza grave, impureza
com ganância. Inclui as seguintes ações:
o Carícia nos seios e toque em outras partes íntimas (entre
solteiros);
o Conversas imorais pelo telefone, a saber, sexting
(entre solteiros);
o Formas repulsivas de pornografia (O conceito varia de tempos
em tempos);
o Abuso de remédios;
o Uso de tabaco, maconha e drogas viciantes;
o Extrema falta de limpeza;
·
Conduta insolente. Inclui
as seguintes ações:
o Contato desnecessário com desassociados que não são parentes;
e se moram na mesma casa, falar de assuntos espirituais com qualquer
desassociado;
o Namorar sem estar biblicamente livre para se casar novamente,
mesmo que não tenha havido relação sexual;
·
Bebedeira;
·
Comer em excesso;
·
Roubo, furto;
·
Mentir por maldade, de
propósito;
·
Aceitar mais de uma
transfusão de sangue;
·
Etc.
Não que, ao cometer um destes
pecados, a pessoa automaticamente será desassociada; antes, ela será julgada em
privado por anciãos com base no livro Pastoreiem o Rebanho de Deus (2020), que
contém as orientações da liderança da organização. O ponto determinante não é o
pecado em si, mas a atitude da pessoa para com o que ela é acusada de ter
cometido. Se a pessoa negar a acusação ou alegar inocência, ela só poderá ser
desassociada perante a comprovação da acusação, o que pode incluir o testemunho
de duas pessoas. Se ela demonstra arrependimento, provavelmente será perdoada;
se não demonstra, certamente será expulsa.
A excomunhão na ISUD
Assim
como as TJs, os comumente chamados de “mórmons”[5]
(SUD) defendem que todos os procedimentos da igreja sejam feitos em segredo.
Para eles, a excomunhão não é uma forma de
punição, mas um passo importante no processo de arrependimento em casos de
pecados sérios. Os mórmons acreditam que o excomungado deve buscar a igreja e
procurar colocar a sua vida em ordem. Quando ele estiver preparado, poderá ser
rebatizado na igreja, assim completando o processo de arrependimento. Enquanto
estiver fora da igreja, o indivíduo não poderá participar das atividades
resguardadas aos membros batizados e não terá a ajuda dos demais membros da
igreja em questões sociais.
A
excomunhão na ISUD tem três propósitos:
1.
Proteger os inocentes;
2.
Salvaguardar o bom nome da
Igreja;
3.
Ajudar o pecador a se
arrepender.
Não consegui ter acesso à uma lista completa
(se é que existe) de pecados passíveis de excomunhão na Igreja dos Santos dos
Últimos Dias, mas fui informado sobre os seguintes pecados de excomunhão:
·
O
adultério;
·
Sexo
pré-marital;
·
Prática
criminosa;
·
Desvio
do dinheiro da igreja;
·
A
negação dos dogmas da igreja;
A excomunhão no protestantismo
O protestantismo até prevê a excomunhão, mas na prática ela
não existe. Nos tempos antigos, quando o protestantismo saia do berço, os
chamados “hereges” eram queimados vivos.[6] Em
geral, o protestantismo fala da excomunhão como se aplicando apenas ao passado.
O erudito John Gill, do movimento Batista, explicou sobre a passagem de 1
Coríntios 5:11:
[os excomungados] não deviam apenas ser removidos de sua
sociedade religiosa, [ou] da comunicação com a igreja, e impedidos
de se sentarem juntos [para] comer à mesa do Senhor, ou em seus banquetes
fraternais, mas também lhes deviam ser negadas a
conversa civil e a intimidade com eles. [O grifo é meu][7] (Sobre 1 Coríntios 5:11)
John
Gill adiciona que tal procedimento servia para “envergonhar tais ofensores e
levá-los ao arrependimento”.
Adam Clarke, erudito bíblico e teólogo
protestante renomado, explicou que os cristãos não deviam “ter nenhuma
comunicação com tal pessoa, nem em coisas sagradas nem em civis”.[8]
Albert Barnes, teólogo protestante,
também explicou algo similar:
Esta completa
separação e afastamento de toda a comunicação eram necessários nesses
tempos para proteger a igreja de escândalo, e dos relatos injuriosos que
circulavam. [O grifo é meu] (Sobre 1 Coríntios 5:11)[9]
Norman Champlin, famoso
erudito protestante, explicou que a desassociação requer o término de
qualquer
associação social com tal pessoa, como tomar uma refeição com
ela, em sua residência, e nem seja tal pessoa convidada para tal coisa na
residência de algum crente. Isso segue os passos da exclusão entre os judeus, a
qual não envolvia somente a sinagoga, mas também
cobria as situações sociais. [O grifo é meu.][10]
Champlin
acrescentou que a desassociação “serve para mostrar [ao pecador] que a igreja
está profundamente preocupada com a questão,” que o pecado em questão exige
“medidas drásticas”, e que o crente deve compreender que “isso visa ao seu
próprio bem.” (p. 76) Champlin adiciona:
Uma disciplina
severa pode produzir o bom efeito de fazer o crente errado voltar ao bom
senso, e, finalmente, ao arrependimento autêntico. (p. 76)
João
Calvino, um dos pais do protestantismo, por assim dizer, ensinou:
nenhum crente deve receber [o desassociado] em termos de
intimidade com ele; caso contrário, a autoridade da Igreja seria desprezada, se
cada indivíduo tivesse a liberdade de admitir à sua mesa aqueles que foram
excluídos da mesa do Senhor. Participar de comida aqui significa viver juntos ou associar-se às refeições. [...] O
que Paulo quer dizer é que, na medida em que está ao nosso alcance, devemos
evitar a associação com aqueles com quem a Igreja cortou sua comunhão. [11]
Matthew
Henry, teólogo anglicano, explicou:
Aqui o apóstolo os aconselha a evitar a companhia e a
conversa com os que são escandalosos. [...] [Os cristãos] deveriam evitar toda
a familiaridade com ele; eles não deveriam ter comércio com ele; mas, para que
pudessem envergonhá-lo e levá-lo ao arrependimento, deveriam
negá-lo e evitá-lo. Note que os cristãos devem evitar a conversa
familiar com companheiros cristãos que são notoriamente maus e sob censura
justa por suas práticas flagrantes, a qual traz desgraça sobre o nome cristão.[12]
Joseph Benson, teólogo
protestante, afirmou sobre a igreja em relação ao desassociado:
Não [deve] ter contato ou comunhão com ele de
qualquer espécie; [...] Um curso semelhante é ordenado por João; em 2 Jo
1:10-11. Isso se refere ao contato da vida comum, e não particularmente à
comunhão. O verdadeiro cristão deveria renegar
completamente essa pessoa e não fazer nada que parecesse implicar que a
considerava um irmão cristão. Veremos aqui que a regra era muito mais
rigorosa em relação a alguém que professava ser cristão do que àqueles que eram
conhecidos e reconhecidos pagãos.[13]
Com base nesses comentários feitos por eruditos protestantes vemos
que existe grande consenso entre tais de que o tratamento a um excomungado
inclua o fim de toda a comunicação e associação com
tal. Isso se assemelha muito ao método usado pelas TJs.
É
claro que, no momento que o pecador mudar sua conduta e reajustá-la ao padrão
cristão, ele será readmitido à igreja. Sobre o membro da congregação que
deveria ser desassociado/excomungado a que Paulo se referiu em sua primeira
carta, lemos:
“Agora, ao contrário, vocês devem
perdoá-lo bondosamente e consolá-lo, para que ele não seja vencido pela
excessiva tristeza.” (2 Coríntios 2:7)
Porém, isso não responde a todas as perguntas
que surgirão, tais como: Se nos basearmos exclusivamente na Bíblia, por quais pecados
alguém poderá ser desassociado? Quem deve ser desassociado? No artigo seguinte
analisaremos o que a Bíblia diz sobre o assunto.
Notas:
[1] Disponível em: <https://www.wikizero.com/pt/Excomunh%C3%A3o>.
[2] Livro Pastoreiem o Rebanho de Deus, 12.17 (1).
[3] Alguns exemplos de pecados que eram anteriormente vistos como passíveis de desassociação são as “pequenas apostas”, o uso de metadona, e a visão sobre ‘fornicação dentro do casamento’.
[4] Livro Pastoreiem o Rebanho de Deus 12. 3 (1), (2), e (3).
[5] Alguns talvez não se importem com esta nomenclatura, mas outros a julgam pejorativa. Eles são chamados de “mórmons” por causa do Livro de Mórmon. A nomenclatura oficial é Santos dos Últimos Dias (SUD) em português ou Latter-Day Saints (LDS) em inglês.
[6] Veja o exemplo de Miguel Servet. Clique aqui.
[7] John Gill, Exposition of the Bible. Comentário sobre 1 Coríntios 5:11. Disponível em www.biblestudytools.com.
[8] Adam Clarke, Commentary on the Bible. Comentário sobre 1 Coríntios 5:11. Disponível em www.studylight.org.
[9] Albert Barnes, Notes on the Bible. Disponível em www.biblestudytools.com.
[10] Russell Norman Champlin. O Novo Testamento Interpretado, Versículo por Versículo. Vol. 4, Editora Candeia, 1995.
[11] (Disponível em: https://ccel.org/ccel/calvin/calcom39/calcom39.xii.iii.html)
[12] Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible.
[13] Joseph Benson’s Commentary on the Old and New Testaments.
A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada pelas Testemunhas de Jeová.
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Comentários
O nome do autor desses artigos não é relevante, assim como tampouco é relevante os nomes dos autores da Tradução do Novo Mundo. O autor deseja que as informações sejam analisadas objetivamente. Por isso, é relevante que, ao invés de acusar de “apostasia” ou mesmo de “heresia” qualquer pessoa, que as informações sejam analisadas quanto à sua VERACIDADE, pois este é o espírito do verdadeiro cristão.
Os artigos não são traduções de nada, mas são estudos baseados na Escrituras. Se parecem similares a outros artigos, talvez seja porque ambos são baseados estritamente nas Escrituras Sagradas, e as Escrituras são a mesma, ou contêm a mesma mensagem.
Quanto a Rolf Furuli ser chamado de “apóstata”, vale ressaltar de que ele foi desassociado sem comissão judicativa válida com base bíblica sólida, sob a alegação de criticar o corpo governante das TJs. Os anciãos que o desassociaram nem ao menos tinham lido o livro dele. Ou seja, se o que Rolf Furuli falou era verdade ou heresia, sequer foi considerado. Portanto, eu evitaria chamá-lo de “apóstata” quando as informações propostas por ele não foram se quer analisadas, nem pelo corpo de anciãos, nem pelo corpo governante, quanto à VERACIDADE delas. Ele foi desassociado meramente por ter criticado o corpo governante. Isso não consiste nem de heresia nem de apostasia segundo a Bíblia. Portanto, mesmo que ele tenha sido culpado, ele não poderia ter sido desassociado da forma como ocorreu. Eu tomaria cuidado em ficar feliz quando isso ocorre com os outros, pois poderá acontecer com você, assim como já aconteceu com o Ronaldo Canedo Silva, conforme ele mesmo relatou abertamente, que foi desassociado sem comissão judicativa biblicamente correta.
Prezado, cuidado para não espalhar informações falsas.
“dissidentes de gente que nem sequer se reúne ou prega com o povo organizado de Deus e que defende que viciados em pornografia, drogas e outras coisas piores devem permanecer na congregação cristã sem serem expulsos.”
Se você se refere a Rolf Furuli, estas informação são falsas. Em momento algum Rolf Furuli disse que “usuários de drogas” “e outras coisas piores” não devem ser desassociados da congregação. Ao contrário, Furuli disse que usuários de drogas DEVEM DE FATO ser desassociados. (veja este link onde ele diz exatamente isso: https://mybelovedreligion.no/2020/10/19/methadone-and-disfellowshipping/) Portanto, VOCÊ ESTÁ PROMOVENDO INFORMAÇÕES FALSAS. Se você não sabia, tudo bem. Agora que sabe, se persistir em espalhar isso, será culpado de pecado de desassociação segundo o corpo governante. Cuidado, de acordo com o corpo governante, promover mentiras como essa é também pecado de desassociação. Portanto, você poderá ser desassociado por esta informação, se aplicássemos a regra do corpo governante. Ou melhor, não poderá, visto que está propagando informações falsas em favor do corpo governante. Somente quando a informação falsa é CONTRA membros das TJs é que é pecado de desassociação.
Quanto a pessoas que assistem pornografia, nem mesmo o corpo governante diz que alguém que assiste pornografia deve ser desassociado. Portanto, sua crítica foi feita também à liderança das TJs de forma indireta. O que o corpo governante diz é que apenas aqueles que assistem “pornografia crassa” devem ser desassociados. O conceito de “pornografia crassa”, criado pelo corpo governante, varia de tempos em tempos. Ou seja, em uma época, alguém que assiste a pornografia X não é desassociado, mas depois de um tempo é, e depois não é de novo.
“Que o autor e também o tradutor desses artigos recobrem o juízo!”
Prezado, você analisou as informações de forma objetiva para saber se estão em harmonia com a Escritura? Faça isso. Um abraço e que Deus te abençoe.