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Uma regra bíblica desconsiderada pelos trinitaristas

Fonte da ilustração: http://wol.jw.org/en/wol/d/r1/lp-e/1101978083


“O anjo de Jeová apareceu-lhe então numa chama de fogo no meio dum espinheiro. . . . E prosseguiu, dizendo: ‘Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó.’ Moisés escondeu então a sua face, porque estava com medo de olhar para o verdadeiro Deus.” – Êxodo 3:2, 6.


     Textos como o acima têm sido interpretados por trinitaristas como prova de que o “anjo de Jeová” é o próprio Jeová, o Deus Todo-Poderoso. O texto apresenta o anjo falando na primeira pessoa do singular, falando como se fosse Jeová, e apresenta Moisés reagindo à manifestação do anjo como se o anjo fosse de fato Deus. Outras passagens bíblicas apresentam o mesmo quadro, de anjos falando e/ou sendo aludidos como sendo Deus. (Gênesis 16:7-13; 22:15-18; 32:24-30; Juízes 13:8-22) No entanto, a interpretação trinitarista de tais textos desconsidera uma regra fundamental que permeia a Bíblia inteira. Que regra é essa? Antes de citá-la, vamos exemplificá-la mediante uma passagem bíblica.
     
Como exemplo, observe parte do discurso de Moisés, registrado em Deuteronômio 29:2-6. Diz o texto:

E Moisés passou a convocar todo o Israel e a dizer-lhes: “Vós fostes os que vistes tudo o que Jeová fez diante dos vossos olhos, na terra do Egito, a Faraó e a todos os seus servos, e a toda a sua terra, as grandes provas que teus olhos viram, aqueles grandes sinais e milagres. Contudo, Jeová não vos deu um coração para saber e olhos para ver, e ouvidos para ouvir até o dia de hoje. ‘Enquanto eu vos guiava por quarenta anos no ermo, vossos mantos não se gastaram sobre vós, e tua sandália não se gastou no teu pé. Não comestes pão nem tomastes vinho e bebida inebriante, a fim de que soubésseis que eu sou Jeová, vosso Deus.’”
     O texto acima mostra Moisés falando na primeira pessoa do singular, e numa parte de seu discurso ele faz a surpreendente declaração acima, colocada em negrito. O fato de ele falar antes de Jeová na terceira pessoa do singular, como que colocando-o à parte, não seria um contra-argumento que explique essa passagem. Pois, nos textos em que um anjo fala como sendo Jeová, ele também menciona Jeová na terceira pessoa do singular. (Veja Gênesis 16:11; Juízes 13:16.) É uma construção gramatical comum alguém falar de si mesmo na terceira pessoa, como se estivesse falando de outro. Por exemplo, em Oseias 1:7, Jeová disse: “Vou salvá-los por Jeová, seu Deus.” (Veja também 1 Reis 8:1; Êxodo 24:1; Oseias 6:6.) Então, como explicar o texto de Deuteronômio 29:2-6?

A solução dessa e de outras passagens similares reside na seguinte regra bíblica:

Os que representam outro podem falar e/ou ser aludidos ou referidos como se fossem a pessoa por eles representada.

No caso da passagem acima, Moisés podia usar tal fraseologia por ser na época o maior representante humano de Jeová. A Tradução do Novo Mundo coloca os versículos 5 e 6 entre aspas simples, mostrando que Moisés estava citando palavras de Jeová. (Infelizmente, muitas outras traduções não colocam aspas, dando a entender que Moisés falou de si mesmo.) Mas, por que ele não fez referência a que tais palavras eram de Jeová, como fizeram profetas posteriores? Por exemplo, muitos profetas iniciaram sua mensagem com as palavras: “Assim disse Jeová.” (1 Reis 20:13, 14; Isaías 37:6; Jeremias 2:1, 2; Ezequiel 11:5) Isto se deu devido a que Moisés gozava de um relacionamento muito especial com Jeová. O próprio Jeová Deus explicou isso, dizendo: “Se houvesse um profeta vosso para Jeová, seria numa visão que eu me daria a conhecer a ele. Falar-lhe-ia num sonho. Não assim com meu servo Moisés! Ele está sendo incumbido de toda a minha casa. Boca a boca falo com ele, mostrando-lhe assim, e não por enigmas; e a aparência de Jeová é o que ele contempla.” (Números 12:6-8) Mas, o ponto em questão é que a regra bíblica supracitada explica coerentemente a passagem de Deuteronômio 29:2-6.

Uma regra que permeia a Bíblia inteira
   
Encontramos outra alusão a essa regra nas palavras de Jesus em João 13:20: “Quem receber a qualquer que eu enviar, recebe também a mim. Por sua vez, quem me receber, recebe também aquele que me enviou.” A mesma regra harmoniza as passagens de Mateus 8:5-13 e de Lucas 7:1-10. O relato de Mateus diz que um oficial do exército veio a Jesus, suplicando que o Senhor curasse seu servo. Por outro lado, a narrativa de Lucas diz que o oficial enviou a Jesus “anciãos dos judeus” para lhe pedirem que curasse o servo dele. Não há contradição nos dois relatos. Visto que os anciãos estavam representando o oficial romano, Mateus fala que o próprio oficial foi até Jesus. Os anciãos foram aludidos como se fossem o próprio oficial por o estarem representando.[1] – Veja também Marcos 10:35-37; Mateus 20:20, 21; 18:5; Lucas 9:48.

Em adição, a regra supracitada aplica-se inclusive numa relação entre pessoa e objeto. 1 Samuel 4:6, 7 nos relata que, quando os filisteus “ficaram sabendo que a própria arca de Jeová tinha chegado ao acampamento” deles, eles “disseram: ‘Deus chegou ao acampamento!’” Naturalmente, ninguém diria que a arca do pacto era o próprio Deus. Porém, visto que tal objeto o representava, ela foi aludida como sendo tal.

Uma regra que elucida textos mal interpretados

Por conseguinte, a mesma regra bíblica explica coerente e satisfatoriamente os casos em que anjos falaram e foram referidos como se fossem o próprio Jeová Deus. Fizeram isso por serem representantes de Deus. Se um representante humano de Deus pôde usar a mesma linguagem, quanto mais poderia um representante celestial de Jeová! Como já mencionado, esta regra permeia a inteira Palavra de Deus. Se você ler Revelação (Apocalipse) 21:9 a 22:15, verá que “um dos sete anjos que tinham as sete tigelas cheias das últimas sete pragas” é que falou as palavras registradas em Apocalipse 21:12, 13: “‘Eis que venho depressa, e a recompensa que dou está comigo, para dar a cada um conforme a sua obra. Eu sou o Alfa e o Ômega, o primeiro e o último, o princípio e o fim.’”  (Apocalipse 21:9, 15; 22:1, 6, 7, 10-15) Em seguida, o mesmo anjo disse: “‘Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos dar testemunho destas coisas para as congregações. Eu sou a raiz e a descendência de Davi, e a resplandecente estrela da manhã.’” – Apocalipse 22:16.
     
Esse anjo, que não era nem Jeová e nem Jesus Cristo, falou como se fosse cada um deles. (Apocalipse 15:1; 16:1) Pois, em Apocalipse 22:10-15 não há nenhuma expressão que introduz um personagem diferente falando. O anjo pôde falar assim por ser um representante tanto de Jeová Deus como de Jesus Cristo. Apropriadamente, a Tradução do Novo Mundo coloca tais palavras do anjo tanto com aspas normais como com aspas simples, indicando que ele estava citando aqueles a quem ele estava representando.

O anjo que falou com Moisés “na chama ardente dum espinheiro” foi mencionado como sendo “um anjo”. (Atos 7:29) Ao invés desse anjo ser Deus, a Bíblia diz que “Deus enviou [Moisés] como governante e como libertador pela mão do anjo que lhe apareceu no espinheiro”. (Atos 7:35) Portanto, falar e ser referido como sendo outrem não é prova positiva de que ambos têm a mesma identidade. Nenhum anjo, nem mesmo o Logos, pode ser equiparado a Jeová Deus. Por outro lado, eles podem representá-lo, sendo mencionados como se fossem o próprio Jeová.

Mas, há um caso interessante em que o anjo de Jeová fez referência a que suas palavras procediam de Jeová. Lemos em Gênesis 22:15, 16: “E o anjo de Jeová passou a chamar Abraão pela segunda vez, desde os céus, e a dizer: ‘Juro deveras por mim mesmo’, é a pronunciação de Jeová.” Por que neste caso especifico o anjo atribuiu a Deus sua declaração? Hebreus 6:13 explica: “Pois, quando Deus fez a sua promessa a Abraão, uma vez que não podia jurar por ninguém maior, jurou por si mesmo.” Portanto, jurar por si mesmo é uma singularidade, ou exclusividade, de Jeová Deus. Ele é o único que não possui alguém “maior” do que ele. Inversamente, o Logos é sempre apresentado num contexto de subordinação em relação a Jeová.[2] Por esta razão, mesmo representando a Deus, o anjo modestamente fez referência a que tal “declaração juramentada” procedia de Jeová. – Gênesis 26:3.

A regra bíblica considerada neste artigo é um célebre exemplo de metonímia, figura de linguagem em que um termo substitui outro pela afinidade que há entre ambos. Por exemplo, o autor pode ser substituído pela obra, quando alguém diz: “Gosto de ler Machado de Assis”, querendo dizer, naturalmente, a obra literária desse autor. (Outros exemplos envolvem o efeito pela causa, o lugar pelo produto, continente pelo conteúdo etc.) Neste caso, ocorre o fenômeno da substituição do representado pelo representante. Observamos um exemplo desse tipo de metonímia em uma notícia veiculada pelo jornal “Diário do Grande ABC”, sob o tema: “Moscou e Washington manterão conversas de defesa.”[3] Como o periódico explicou a seguir, a referência era à Rússia e aos Estados Unidos, os quais foram, no texto do jornal, representados por suas respectivas capitais e referidos como se fossem as mesmas.

A mesma regra também explica os casos em que passagens do “Velho Testamento” referentes a Jeová são aplicadas no “Novo Testamento” à pessoa de Cristo. Essa transferência de aplicação tem por base a relação entre os dois, respectivamente, de representado e representante.  – Salmo 68:18; Efésios 4:7, 8; Hebreus 1:3.

Portanto, fazemos um convite a todos os trinitaristas sinceros, no sentido de que deem a devida atenção à regra bíblica explanada neste artigo, a qual faculta a correta interpretação de muitos textos que têm sido mal entendidos pelos expositores da doutrina trinitarista. É importante respeitarmos os limites impostos pela Palavra de Deus e permitirmos que ela própria nos esclareça o sentido de sua mensagem. Fazendo assim, sentiremos em nós o cumprimento das maravilhosas palavras do Filho de Deus, Jesus Cristo: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” – João 8:32.

Referências

[1] Veja a revista Despertai! de 8 de agosto de 1979, pp. 28, 29, sob o tema “‘Quem me viu, viu o pai’ — em que sentido?”
[2] Veja o artigo “A Trindade é ensinada no ‘Novo Testamento’?” neste site.



A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, publicada pelas Testemunhas de Jeová.




Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org



Comentários

Apologista disse…
Parabéns por mais este texto.
Esperamos que continue nos presenteando com bons argumentos.
Já li um artigo..muito bem redigido...vou colocar links dele no site tradução do Novo Mundo Defendida quando for assunto em que a gramática e filologia estejam envolvidas. Ou ainda outros que eu achar que não foge muito ao tema do website Tradução do Novo Mundo Defendida!
Att.
(extraído do orkut)
MARIA disse…
Jesus diz:
João 17:5 - E agora glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que tinha contigo antes que o mundo existisse.
Está escrito que Deus não divide Sua Glória com ninguém. E aí? Como explicam esse texto?
Prezada Maria:
Em consideração à sua pergunta, que também paira na mente de muitos outros, foi preparado um novo artigo, intitulado "Jesus tem a mesma glória que seu Pai?"
Para lê-lo, acesse http://oapologistadaverdade.blogspot.com/2011/12/jesus-tem-mesma-gloria-que-seu-pai.html
Unknown disse…
Maria, isso é bem simples de compreender, pois a Glória de Deus é uma, a Glória ao qual Jesus disse que tinha junto ao Pai era a Glória dele e não de Deus! A bíblia explica que Glória não são iguais! Basta ler 1 Coríntios 15:41 que reza na versão Almeida: "Uma é a glória do sol, e outra a glória da lua, e outra a glória das estrelas; porque uma estrela difere em glória de outra estrela". Você esta entendendo como se Jesus tivesse se referindo a Glória de Deus, mas ele foi bem claro em dizer que estava se referindo a sua Glória! Ele é Glorioso nos Céus, assim como os anjos também são! Mas cada um tem a sua glória, assim como a Glória de Deus não é igual e é muito maior do que a glória de qualquer outro nos céus! Veja o que Judas escreveu em sua Carta, no versiculo 8: "Do mesmo modo esses homens têm visões que os fazem pecar contra o próprio corpo deles. Desprezam a autoridade de Deus e insultam os gloriosos seres celestiais." Veja que Judas disse que os seres celestiais são gloriosos e logo eles tem Glória! Temos que entender essas coisas pra entender o que Jesus quis dizer! Espero ter ajudado.
Ferreira disse…
Parabéns irmão por mais uma excelente matéria!
Anônimo disse…
Maria onde vc leu no texto que a gloria que o filho tinha era idêntica a gloria que pertence ao pai ?
A gloria que pertence ao pai é dele e não divide, porém pode glorificar a outros na devida proporção.
Texto diz minha gloria
Ademais o próprio conteúdo citado diferencia pai do filho Colossenses 1:27 mostra que outros participariam da gloria de Cristo, diferente da gloria do pai que não é divisível

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