Fonte da ilustração:
https://www.jw.org/pt/publicacoes/livros/biblia-ensina/proposito-de-deus-terra-humanidade/
“Prestam-lhe serviço sagrado, dia e noite, no seu templo.” – Apocalipse 7:15b.
Na
primeira parte desta série sobre a grande multidão descrita em Apocalipse,
capítulo sete, analisamos alguns argumentos propostos pelos que defendem que
essa classe tem esperança celestial. Neste artigo, examinaremos outra expressão
usada no Apocalipse com relação à grande multidão.
Prestam
serviço sagrado a Deus no Seu templo
Outro
argumento apresentado em favor de classificar a “grande multidão” como classe
celestial é a descrição dela feita em Apocalipse 7:15b: “Prestam-lhe [a Deus]
serviço sagrado, dia e noite, no seu templo.” O substantivo grego para “templo”
nesse texto é ναός (naós). Os proponentes da celestialidade da grande
multidão aludem a que, na Bíblia, a palavra “templo”, quando a referência é ao
inteiro conjunto de edifícios, é ιερόν (hierón), ao
passo que, quando a alusão é ao edifício central – os recintos sagrados –
usa-se a palavra naós, também vertida “santuário”. Uma vez que o
santuário interior – o Santíssimo – representa o céu, teorizam que a “grande
multidão” tem de ser uma classe celestial.
Mas,
nesse respeito, surgem algumas perguntas fundamentais: a Bíblia faz uma clara
distinção entre hierón e naós? A palavra naós se
refere exclusivamente ao edifício central, com seus compartimentos do Santo e
do Santíssimo?
Veja como The
New Analytical Greek Lexicon define ambas as palavras:
“ἱερόν, ου, τό [§3.C.c] um templo, Mateus 4:5; Lucas 4:9; Atos 19:27,
et al. [entre outros]”
“ναός, ου, ‘ο, nom. sg. m. n. [§3.C.a] (ναιω, habitar) pr. [apropriadamente] uma
habitação; a habitação de uma deidade, um templo, Mateus
26:61; Atos 7:48, et al.; usado figurativamente para indivíduos, João 2:19; 1
Cor. 3:16, et al.; spc [especialmente] a célula do templo; por
isso, o Lugar Santo do Templo de Jerusalém, Mateus 23:35; Lucas
1:9, et al.; um modelo de um templo, um santuário, Atos 19:24.”
Note que,
embora esse dicionário tenha feito uma distinção entre hierón e naós,
indicando que o primeiro termo se refere a um templo de modo geral ao passo que
o segundo tem um sentido mais restrito, referindo-se ao edifício central do
templo, tal léxico mostrou que esse não é o sentido exclusivo de naós. Salientou,
em vez disso, que naós também pode ser usado no sentido geral
de “templo” – referindo-se a todo o conjunto do templo.
O mesmo
ponto foi ressaltado pelo Léxico do N.T. Grego/Português, (Gingrich
e Danker):
“ιερόν,
ου, τό (neut. do adj. ιερός, usado como subst.) templo, santuário Mt 12.6;
21.12; Mc 13.3; Lc 22.52; Jo 10.23; At 19.27.”
“ναός, ου, ό templo lit. Mt 23.17, 35; Mc 14.58; Lc 1.21s; Jo 2.20; At 17.24; 19.24 (aqui talvez santuário); Ap
11.2, 19; 15.6, 8; 21.22. Fig. Jo 2.19-21; 1 Co 3.16, 17; 6.19.”
Para
analisar o uso mais abrangente de naós, vejamos o texto de João
2:20, citado nesse sentido em ambas as obras de referencias:
“Os
judeus disseram, portanto: ‘Este templo [naós] foi construído em
quarenta e seis anos, e tu o levantarás em três dias?’”
De que
“templo” os judeus estavam falando? Em que sentido eles usaram naós nesse
versículo? Com sentido restrito ao edifício central, sagrado, ou com
significação mais abrangente, aludindo ao inteiro conjunto do templo?
Segundo o
historiador judeu Flávio Josefo, o santuário (edifício central) foi construído
em um ano e meio. (Jewish Antiquities, XV, 380
[xi, 1]) Portanto, com base nisso, a menção de 46 anos só pode se referir
à estrutura do templo como um todo. Mas os oponentes dessa conceituação
argumentam que os escritos de Josefo indicam que a estrutura básica do
santuário permaneceu inacabada até a destruição de 70 EC. À base disso,
conceituam que os judeus estivavam aludindo ao santuário do templo. Mas,
que dizer do contexto? Como ele nos ajuda a determinar o significado de naós nesse
caso específico?
Toda a
polêmica da parte dos judeus surgiu porque Jesus havia expulsado do templo [hierón]
os que ali comercializam. (João 2:14-18) Por conseguinte, o tema em pauta era o
templo como um todo. Em consonância com isso, Jesus usou o termo naós nesse
sentido amplo. Além disso, Jesus chamou o templo [hierón] de “casa
[οἶκος; oíkos] de meu Pai”. (João 2:16, 17; veja também Mateus
12:3, 4.) Por outro lado, uma comparação entre Mateus 23:35 e Lucas 11:50, 51
mostra que naós também foi referido como “casa” de Deus:
Mateus
23:35: “Para que venha sobre vós todo o sangue justo derramado na terra, desde
o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem
assassinastes entre o santuário [naós] e o
altar.”
Lucas 11:50,
51: “Para que o sangue de todos os profetas, derramado desde a fundação do
mundo, seja exigido desta geração, desde o sangue de Abel até o sangue de
Zacarias, que foi morto entre o altar e a casa [oíkos].”
Tudo isso
demonstra que hierón e naós às vezes são
usados de modo intercambiável, no sentido amplo e geral de “templo”. Contudo,
alguns alegam que, em Apocalipse, João usa naós no sentido
estrito de “santuário” – o edifício central representativo do céu. Citam como
prova disso o texto de Apocalipse 11:2, que declara: “Mas, quanto ao pátio que
está de fora do santuário do templo [naós], lança-o completamente fora e
não o meças, porque foi dado às nações, e elas pisarão a cidade santa por
quarenta e dois meses.” Com isso argumentam que, no Apocalipse, João usa o
termo naós apenas com referência ao santuário. Por
consequência, arguem, ‘a “grande multidão” só pode estar no céu’.
Mas, Apocalipse
11:2 prova mesmo que João, no Apocalipse, usa naós com
referência ao santuário apenas? Ou estava ele especificando que o naós no
caso em questão era apenas o santuário? Arrazoemos: se ele
usasse naós exclusivamente para “santuário” no livro de Apocalipse,
não seria necessário explicar que o referido “pátio” nessa visão específica se
encontra “fora” do naós. Lemos também em Apocalipse 11:19: “E
abriu-se o santuário do templo [naós] de Deus, que está no
céu, e viu-se a arca do seu pacto no santuário do seu templo [naós].”
Por que esclarecer que o referido naós está no céu, se o uso
exclusivo dele fizesse referência ao Santíssimo – que representa o céu? Isso é
novamente explicado em Apocalipse 14:17, que menciona o “santuário do templo [naós] que
está no céu”. Apocalipse 15:5 também menciona que “foi aberto no céu o
santuário [naós] da tenda do testemunho”. Ao invés de indicar um uso
exclusivo de naós ao “santuário”, tais textos pontuam que naós tem
também um sentido mais amplo, sendo, por isso, necessário explicar quando a
alusão é ao sentido mais restrito.
Além
disso, notamos nessas passagens outro detalhe mais significativo ainda: tais
textos não dizem que o naós (santuário) é o
céu, mas que nesses textos o referido naós ESTÁ no céu.
Estaria João, por meio dessa explicação feita três vezes, indicando que naós também
poderia estar em outros contextos na Terra? Conforme os léxicos
mostram, naós pode referir-se a um templo de modo geral ou ao
“santuário” central dele. Ambos os usos indicam um arranjo de adoração. Sabemos
que tanto os seres celestiais quanto os humanos adoram a Deus. Ambos os grupos
precisam de um arranjo de adoração.
Ademais,
que um escritor pode usar no mesmo livro (ou carta) um termo em mais de um
sentido pode ser visto no uso que o escritor de Hebreus faz do substantivo
‘Αγια [hágia]. Lemos em Hebreus 9:2, 3: “Porque se construiu um primeiro
compartimento de tenda, em que havia o candelabro, e também a mesa e a
exposição dos pães; e este é chamado de ‘Lugar Santo’ [hágia]. Mas,
atrás da segunda cortina havia o compartimento de tenda chamado de
‘Santíssimo’[Αγια Ἁγίων; hágia hagíon].” Notamos que ele usa a
palavra hágia para descrever o primeiro compartimento do
santuário, o Santo, diferenciando-o do segundo compartimento, o Santíssimo.
Entretanto,
no mesmo capítulo ele usa a mesma palavra hágia para descrever
o Santíssimo. Observe isso em Hebreus 9:24, 25: “Porque Cristo entrou, não num
lugar santo [hágia] feito por mãos, que é uma cópia da realidade, mas no
próprio céu, para aparecer agora por nós perante a pessoa de Deus. Nem é
próprio que ele se ofereça muitas vezes, como, de fato, o sumo sacerdote entra
de ano em ano no lugar santo [τὰ ἅγια; tà hágia] com
sangue que não é seu próprio.” Hebreus 9:7 explica que “no segundo
compartimento [o Santíssimo], só o sumo sacerdote entra, uma vez por ano, não
sem sangue, que ele oferece por si mesmo e pelos pecados de ignorância do
povo.” Portanto, o escritor chamou o Santíssimo de “lugar santo”, usando o
mesmo termo grego que havia usado para o Santo – o primeiro compartimento do
santuário.
À base
disso, precisamos ser cuidadosos ao afirmar que determinado escritor bíblico
usa um termo em sentido único, ou exclusivo. Uma vez que as visões de João no
livro de Apocalipse dizem respeito em grande parte a realidades celestiais, é
natural, apropriado e coerente que o uso de naós nesses
contextos seja restrito ao “santuário” ou edifício central do templo. Mas, como
já demonstrado no caso da palavra enópion (“diante de”), o uso
de naós com referência a coisas terrestres evidentemente pode
abranger a área do templo, ou arranjo para adoração, destinado à classe
terrestre.
Assim, em
conclusão a este tópico, temos os seguintes fatos:
1) Naós é usado na Bíblia tanto em sentido restrito como também em sentido
geral, abrangente, indicando o templo como um todo.
2) O mesmo
escritor, João, usa naós nos dois sentidos.
3) O fato de
João explicar diversas vezes que o uso que está fazendo de naós tem
sentido restrito mostra que o mesmo termo também tem um sentido geral,
abrangente.
Por
conseguinte, o fato de Apocalipse descrever a “grande multidão” prestando
serviço sagrado no “templo” (naós) não é conclusivo em
determinar que ela seja uma classe celestial. É necessário, pois, analisar
outros fatores para definir a real identidade da “grande multidão”.
Entretanto,
em relação à posição da “grande multidão” no templo (naós), ainda
existe um fator a ser analisado:
A grande
multidão está mesmo NO naós (templo ou santuário)?
Apocalipse
7:15b declara sobre a “grande multidão”: “Prestam-lhe serviço sagrado, dia
e noite, no seu templo.” Observe como essa passagem está no texto grego:
λατρεύουσιν αὐτῷ ἡμέρας καὶ νυκτὸς
prestam serviço sagrado a ele dia
e noite
ἐν τῷ ναῷ αὐτοῦ
em o templo dele
A
preposição ἐν (“en”), que ocorre com o dativo, é a preposição
mais comum no “Novo Testamento”, tendo um grande escopo de sentidos e de
abrangência. Quando indica lugar, significa não apenas dentro
de, mas também tem o sentido de próximo a, perto de. Vejamos
exemplos bíblicos que corroboram isso:
Lucas
13:4:
ἢ ἐκεῖνοι οἱ δεκαοκτὼ ἐφ' οὓς ἔπεσεν
ὁ πύργος ἐν τῷ Σιλωaμ
ou aqueles dezoito, sobre os quais caiu
a torre de Siloé
A
expressão “a torre de Siloé” literalmente é “a torre em o Siloé”.
Siloé era o nome de um reservatório de água em Jerusalém. (João 9:7) A
Torre de Siloé se encontrava provavelmente na vizinhança do reservatório que
tinha esse nome, no setor SE de Jerusalém, mas evidentemente não dentro do
reservatório de água.[1]
“En” também tem o sentido de perante, não apenas num sentido
estritamente topográfico, mas também na significação de relação com
o objeto indicado pela referida preposição. Assim, temos como exemplos:
1
Coríntios 2:6:
Σοφίαν δὲ λαλοῦμεν ἐν τοῖς τελείοις
sabedoria
falamos entre os que são maduros
1
Coríntios 14:11:
ἐὰν οὖν μὴ εἰδῶ τὴν δύναμιν τῆς φωνῆς,
ἔσομαι τῷ λαλοῦντι
se eu pois não entender o poder da voz falada,
serei
para o que fala
βάρβαρος καὶ ὁ λαλῶν ἐν ἐμοὶ βάρβαρος.
estrangeiro e o que fala [será] para mim
estrangeiro
Literalmente,
o texto reza: “O que fala [será] em mim estrangeiro.” O
sentido é óbvio: “[Será] para mim”, ou seja, do meu
ponto de vista, no meu conceito.
Marcos
8:38: “Porque todo aquele que ficar envergonhado de mim e das minhas
palavras, nesta geração adúltera e pecaminosa, deste o Filho
do homem também se envergonhará, quando chegar na glória de seu Pai, com os
santos anjos.” A expressão “nesta geração adúltera e pecaminosa” é:
“ἐν τῇ γενεᾷ ταύτῃ τῇ μοιχαλίδικαὶ ἁμαρτωλῷ”
(én tei geneãi
taútei tei moikhalídikaì hamartolõi).
Jesus
estava falando de seus discípulos. (Versículo 34.) É claro que os
discípulos de Cristo não fazem parte da referida “geração adúltera e
pecaminosa”. Estes, embora vivam em meio a – ou envoltos de – uma geração
“adúltera e pecaminosa”, evidentemente não fazem parte dela; eles não se
encontram dentro dela.
Em 2
Coríntios 10:14, Paulo afirmou a seus concrentes de Corinto: “Já chegamos também até vós no evangelho
de Cristo.” (Almeida Corrigida e Revisada Fiel) A expressão “no evangelho” (en
tõi evangelíoi) não deve ser entendido como estando
literalmente dentro do evangelho, mas sim, com o
evangelho, ou à base do evangelho. A preposição en não
incide aqui em sentido topográfico, mas de relação com o
objeto referido.
Paralelamente, lemos em Romanos 1:9: “Pois
Deus, a quem presto serviço sagrado com o meu espírito, em conexão com as
boas novas a respeito de seu Filho, é minha testemunha de como eu, sem cessar,
faço sempre menção de vós nas minhas orações.” A expressão “em conexão com” é
tradução de ἐν τῷ (en tõi), literalmente “em o” ou “no”.
A mesma
preposição também ocorre “no sentido de inter-relacionamento”. (Léxico do Novo
Testamento Grego/Português, de F. W. Gingrich e Frederick W. Danker, p. 72.)
Observe abaixo como Jesus usou tal preposição para descrever sua inter-relação
com o Pai:
João
10:38:
κἀγὼ ἐν τῷ πατρί.
E eu
[estou] em o Pai
João
14:20:
ἐγὼ ἐν τῷ πατρί
Eu
[estou] em o Pai
Patentemente,
Jesus não estava afirmando que, num sentido metafísico, estava literalmente dentro do
Pai, mas sim que estava numa relação de íntima união com ele. O Pai está no
céu. (Mateus 6:9) Jesus estava na Terra. Mesmo assim, era-lhe possível estar
‘no Pai’ no sentido de estar “em união com” ele. – Tradução do Novo
Mundo.
Assim,
gramaticalmente, ‘prestar serviço sagrado no templo’ (naós) não
significa, necessariamente, estar topograficamente no templo,
ou dentro dele. A referida preposição en, como
comprovado nos exemplos acima, também significa “perante, ou
próximo a”, “em relação a”, “com base em”, “em união com” ou “em conexão com”.
Por isso, mesmo que o naós mencionado em Apocalipse 7:15 seja
entendido como tendo um sentido restrito ao santuário, a preposição usada para
a relação da grande multidão com o referido naós não indica,
forçosamente, que tal classe esteja realmente no naós,
mas pode, gramaticalmente falando, estar ‘prestando serviço sagrado’ aqui na
Terra perante o naós, ou numa relação de união ou de parceria com o
santuário.
O
terceiro artigo desta série examinará ainda outra argumentação proposta pelos
que conceituam que a grande multidão não pode ser uma classe terrestre.
Nota:
[1] Veja a obra Estudo Perspicaz das
Escrituras, volume 3, p. 592 (verbete “Siloé, II”) e p. 728
(verbete “Torre”), publicada pelas Testemunhas de Jeová.
A
menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do
Novo Mundo das Escrituras Sagradas, publicada
pelas Testemunhas de Jeová.
Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a
fonte: o site www.oapologistadaverdade.org
Comentários
Eu estudo a bíblia com as Testemunhas de Jeová, faz uns 4 meses. Quando eu tenho alguma dúvida eu procuro na Biblioteca online da Torre de Vigia, mas nem sempre acho as respostas para tudo que eu quero.
Mas aqui já achei respostas para muitas dúvidas que eu tinha. Muito bom mesmo.
Parabéns pelo blog, continue assim.
Abraço!
Seguem abaixo os títulos dos artigos desta série com os respectivos links:
A “grande multidão” – qual é a sua identidade? (Parte 1)
http://www.oapologistadaverdade.org/2012/05/grande-multidao-qual-e-sua-identidade.html
A “grande multidão” – qual é a sua identidade? (Parte 3)
http://www.oapologistadaverdade.org/2012/06/grande-multidao-qual-e-sua-identidade.html
A “grande multidão” – qual é a sua identidade? (Parte 4)
http://www.oapologistadaverdade.org/2012/06/grande-multidao-qual-e-sua-identidade_09.html
Abraços!