Fonte: Pinterest
Um leitor
indagou: “Irmão, a frase ‘De boas intenções o inferno está cheio’ – que figura de linguagem é essa?”
Resposta:
Alguns atribuem essa frase a
Samuel Johnson (1709-1784), que foi um escritor e
pensador inglês, que atuou como poeta, ensaísta, biógrafo, moralista,
literário e lexicógrafo; referenciado como “o mais distinto homem de letras da
história da Inglaterra”[1]. Por
outro lado, o escritor e doutor em Letras
pela USP (Universidade de São Paulo, Brasil), Deonísio da Silva,
atribui a frase a Bernardo de Clairvaux, comentando:
DE BOAS INTENÇÕES O INFERNO
ESTÁ CHEIO. Esta frase é de autoria de um famoso teólogo e santo francês, São
Bernardo de Clairvaux (1090-1153). Muito místico, travou grandes polêmicas com
o célebre namorado de Heloísa, o também teólogo e filósofo escolástico Pedro
Abelardo (1079-1142). Conselheiro de reis e papas, São Bernardo pregou a
Segunda Cruzada, destacando-se no combate àqueles que eram considerados hereges
por ousarem interpretar de modos plurais a ortodoxia católica. A frase foi
brandida, não apenas contra seus desafetos, mas também a seus aliados, e tornou-se proverbial para denunciar que as
boas intenções, além de não serem suficientes, podem levar a fins contrários
aos esperados. – HISTÓRIAS DE FRASES FAMOSAS. (Negrito acrescentado.)
Fonte: Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=46064
A figura de linguagem em questão
Duas figuras de linguagem
parecem estar envolvidas na frase em questão: o paradoxo e a hipérbole.
Paradoxo
Esta figura retrata algo
“contrário do que se pensa ser a verdade”, fugindo ao senso comum e até mesmo
refletindo uma falta de nexo. Trata-se de uma aproximação de palavras
contrárias, que podem ser associadas em um mesmo pensamento. Reúne ideias
contraditórias em um mesmo contexto. Também pode ser usada para demonstrar
ironia. Como exemplo, temos a frase: “Ele não passa de um pobre homem rico.”[2]
No caso da palavra “inferno”,
tornou-se erroneamente associada a um lugar de tormento onde supostamente estão
pessoas ruins. Ninguém esperaria que nesse mítico lugar houvesse boas
intenções.
Hipérbole
Esta figura de linguagem transmite
um exagero intencional, como na frase “estou morrendo de sede”. Portanto, usar
o conceito comum e errôneo de “inferno” para mostrar que as boas intenções por
si só são ineficazes pode ser entendido como uma hipérbole.
O contexto em que a frase foi dita
Deonísio da Silva[3] explica que
Bernardo de Claraval, “que
morreu há quase mil anos, autor da frase ‘de boas intenções o inferno está cheio’,
[…]
reclamou duramente
da arquitetura de seu tempo”. Bernardo de Claraval referiu-se a ela como composta de “monstruosidades ridículas,
essas belezas assombrosas e grotescas e essas deformidades admiravelmente belas
que povoam os átrios do mosteiro […]
Numa só cabeça, muitos corpos,
e num só corpo, por sua vez, muitas cabeças.”
Conforme explica Deonísio da Silva, “as construções de três elementos
ou de triângulos eram referências sutis à Santíssima Trindade”. Mas, apesar das
explicações dadas pelos críticos de arte de sua época, o abade francês Bernardo
de Claraval concluiu, tristonho e desanimado: “Com mais prazer se lê nas
pedras do que nos livros, preferindo-se admirar essas singularidades a tomar a
peito os mandamentos de Deus.”
Aplicações
modernas da famosa frase
Deonísio da Silva também aplica a famosa frase como
régua, ou critério, para “averiguar a intenção dos discursos, das falas, das
intervenções, dos artigos e das declarações que surgem … na imprensa”.
Fernando Luiz Zanetti[4],
em sua dissertação de mestrado, usa em epígrafe a frase “De boas intenções o
inferno está cheio” para ilustrar como o Estado utiliza ONGs (Organizações Não Governamentais),
escolas, hospitais, centros de recuperação de viciados em drogas – os quais
praticam atividades artísticas com fins terapêuticos, pedagógicos e
psicológicos, e fins políticos de promoção da cidadania – como estratégia para o
controle social da população.
Além do sentido de expressão de
falsa (aparente) bondade, a expressão “de boas intenções o inferno está cheio”
também tem sido usada no sentido de que não basta acreditar que está se fazendo
um bem.
Exemplos relacionados com a Bíblia
Emendas (correções) feitas pelos soferins
Fonte: (jw.org
Os soferins, ou
copistas judeus, fizeram 18 alterações (supostas “correções”) no texto
hebraico, porque, do ponto de vista deles, “a passagem original parecia
mostrar quer irreverência para com Deus, quer desrespeito pelos seus
representantes terrestres”[5].
Apesar da boa intenção, não poderiam ter modificado a Palavra de Deus.
A sugestão do apóstolo Pedro
Fonte: jw.org
Quando Jesus Cristo explicou a
seus discípulos os sofrimentos pelos quais iria passar, o apóstolo Pedro o
censurou, dizendo: “Tenha compaixão de si mesmo, Senhor! Isso de modo algum lhe
acontecerá.” (Mateus 16:22) Evidentemente a intenção de Pedro era positiva.
Contudo, Jesus reagiu conforme lemos no verso 23: “Mas ele virou as costas para
Pedro e lhe disse: ‘Para trás de mim, Satanás! Você é uma pedra de tropeço para
mim, porque não tem os pensamentos de Deus, mas os de homens.’” A boa intenção
de Pedro, em querer evitar que Jesus passasse pelos preditos sofrimentos,
careia de conhecimento e servia aos interesses de Satanás, em impedir Jesus de
cumprir as profecias e em resolver a questão da Soberania universal de Jeová e
da integridade legítima de Suas criaturas.
O ato de Uzá
Fonte: jw.org
Quando a Arca do
Pacto foi transportada da casa de Abinadabe para Jerusalém, a estrada
acidentada em região colinosa fez com que os touros quase a derrubassem,
ocasião em que Uzá tentou impedir a queda da Arca, e foi imediatamente
executado por Deus por ter tocado na Arca. (2 Samuel 6:4-7) Apesar da aparente
boa intenção de Uzá, tal ato foi considerado desrespeitoso, em virtude da lei
expressa de ‘não tocar nas coisas do lugar santo’. Ademais, havia instruções
claras sobre o correto transporte da Arca, as quais não foram seguidas. –
Números 4:15, 19, 20.
O incômodo de Marta
Fonte: jw.org
Lucas relata um incidente envolvendo duas discípulas de
Jesus – Marta e Maria. Lemos sobre isso: “Uma mulher chamada Marta o recebeu
como hóspede em sua casa. Ela tinha também uma irmã, chamada Maria, que se
sentou aos pés do Senhor e ficou escutando o que ele dizia. Marta, por outro
lado, estava distraída, cuidando de muitos afazeres. Assim, ela se
aproximou dele e disse: ‘Senhor, não se importa que minha irmã me deixou
sozinha para cuidar das coisas? Diga a ela que venha me ajudar.’” – Lucas
10:38-40.
Apesar da preocupação de Marta em fazer provisões materiais
para Cristo, sua boa intenção estava mal orientada. Jesus corrigiu bondosamente
o modo de pensar dela, dizendo: “Marta, Marta, você está ansiosa e preocupada
com muitas coisas. Mas poucas coisas são necessárias, ou apenas uma. Maria, por
sua vez, escolheu a boa porção, e essa não será tirada dela.” – Lucas 10:41,
42.
Jesus mostrou que mais importante do que lhe preparar uma
refeição suntuosa seria prestar atenção aos seus ensinamentos.
Os
conselhos dados pelos “amigos” de Jó
Fonte: jw.org
Mesmo que os conselheiros de Jó
acreditassem ter boas intenções, eles atuaram quais instrumentos de Satanás em tentar
desanimar Jó e em enfraquecer sua lealdade a Deus. O próprio Jeová disse a
eles: “Vocês não falaram a verdade a meu respeito, assim como fez o meu servo
Jó.”
O ato
de Moisés em tentar ajudar os hebreus
Fonte: jw.org
A respeito de Moisés, lemos:
“Então, quando ele completou 40 anos, decidiu visitar seus irmãos, os
israelitas. Ao ver que um egípcio estava tratando um deles de forma injusta,
ele defendeu o oprimido e o vingou, matando o egípcio.” (Atos 7:23, 24) A boa
intenção de Moisés pode ser depreendida pelo versículo seguinte: “Ele achava que os seus irmãos compreenderiam que
Deus estava lhes dando salvação pela mão dele, mas eles não compreenderam
isso.”
As coisas não deram certo na
época nem para Moisés, nem para os israelitas, e Moisés teve que fugir do
Egito. (Atos 7:26-29.) Ele não errou quanto à identidade do libertador provido
por Deus – seria ele mesmo. Mas, não seria daquele jeito, nem naquelas
circunstâncias, e nem naquela época.
Conclusão
As boas intenções sem dúvida são
importantes, e com certeza Jeová as leva em consideração. Mas, além delas, é
necessário ter o critério correto. Por isso, devemos sempre orar para ter o
conhecimento e a sabedoria para agir de forma correta. Como exortou Tiago:
“Portanto, se falta sabedoria a
algum de vocês, que ele persista em pedi-la a Deus — pois ele dá a todos
generosamente, sem censurar —, e ela lhe será dada.” – Tiago 1:5.
Notas:
[1] Rogers, Pat (2006). Johnson, Samuel (1709–1784), In: Oxford Dictionary of National Biography (online ed.). [S.l.]: Oxford University Press.
[2] Figuras de Linguagem – O que é? Tipos e Exemplos de Todas (Resumo). Disponível em: <https://www.figuradelinguagem.com/>.
[3] SILVA, Deonísio da. Observatório
da Imprensa. Feitos e Desfeitas. Porto Alegre & Davos. O trem está atrasado ou já passou. Disponível em:
<http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos/fd290120031p.htm>.
[4] ZANETTI, Fernando Luiz. A Condição da Arte e os Novos Paraísos Artificiais. 2007. 116f. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Assis, 2007. Disponível em: < https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/97630/zanetti_fl_me_assis.pdf?sequence=1&isAllowed=y
[5] Apêndice da Tradução do Novo Mundo Com Referências (Rbi8) p. 1509 2B “Emendas (correções) dos soferins”. Segue a lista das Dezoito Emendas dos soferins, segundo Gins.Int, pp. 347-363: Gên 18:22; Núm 11:15; 12:12; 1Sa 3:13; 2Sa 16:12; 20:1; 1Rs 12:16; 2Cr 10:16; Jó 7:20; 32:3; Sal 106:20; Je 2:11; La 3:20; Ez 8:17; Os 4:7; Hab 1:12; Za 2:8; Mal 1:13.
A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da
Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada
pelas Testemunhas de Jeová.
Contato: oapologistadaverdade@gmail.com
Os artigos deste site podem ser citados ou republicados,
desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org
Comentários