ARTIGO ESPECIAL: Romanos 13 – As “autoridades superiores” e o cisma de 1962 na Europa oriental (Parte 2)
Contribuído por Cristão Antitípico.
Caso não tenha lido a parte 1, sugiro que a leia antes de ler a parte 2,
para se inteirar do assunto. Para acessar a parte 1, clique aqui.
A PARTE 2 deste assunto contém mais detalhes e mais argumentos para a
tese de Rutherford.
RESUMO DE A
SENTINELA DE 1º DE JUNHO DE 1929, PARTE 2 1.
Tese: “o arranjo concernente à igreja
procede de Jeová e por Cristo. Todos na igreja que agradam a Jeová e a Cristo Jesus devem ser
voluntariamente submissos ou obedientes a esse arranjo divino. Não há exceção a esta regra; e, portanto, deve sempre ser lembrado
pelo ungido do Senhor e seguido estritamente.” [Parágrafo 1]; 2. Argumento: Não se poderia
dizer que Deus estava julgando o mundo nos dias de Paulo, porque o próprio
Paulo escreveu que ‘Deus designou um dia futuro em que ele julgará o mundo
com justiça’ (quando governos injustos não existirão); Deus não interferiu
com as nações da terra em fazer leis e aplicá-las. O julgamento referido por
Paulo, em Romanos 13:2, deve ser aplicado à igreja, e esse julgamento deve
ser pelo poder que Deus ordenou que julgará a igreja. Se o “julgamento” mencionado
em Romanos 13:2 deve ser proferido e executado pelos poderes dos governos
gentios, então tal julgamento deve ser proferido e executado por algum homem
como juiz; e isso é contrário
à Palavra de Deus, independente de quem seja o homem. Nenhum homem na igreja ou fora da igreja está
autorizado a julgar alguém que está na igreja. (Romanos 2:1, 3) [Parágrafos
2-4]; 3. Tese: A substância da declaração de Paulo (Romanos
13:2) é esta: Que todo aquele que na igreja resiste ao arranjo que Deus fez
para o governo de sua igreja está resistindo a Deus e, portanto, receberá
punição de Deus por meio de Cristo Jesus por fazê-lo. [Parágrafo 5]; 4. Argumento: Se a palavra
“governantes” usada por Paulo em Romanos 13:3 não se aplica ao arranjo na
igreja, então a palavra deve se aplicar a Satanás e sua organização.
[Parágrafo 6]; 5.
Argumento: Os ministros de Deus não recebem o “louvor” das autoridades gentias por
suas “boas obras”, que se referem a pregar o evangelho de porta em porta.
Apenas as autoridades da igreja dão “louvor” às boas obras dos ministros de
Deus. Portanto, as autoridades superiores não são os governos civis, mas
aquelas no arranjo teocrático. [Parágrafo 7]; 6. Argumento: Na Libéria, África, o governo proibiu que um
missionário da Sociedade pregasse a mensagem do reino. Deveria ele ser
submisso a tal autoridade para evitar o furor dela contra ele? A resposta é
não. Portanto, os cristãos não devem ser submissos às autoridades do mundo,
mas ao arranjo
teocrático. [Parágrafo 8]; 7.
Tese: Em vista de tudo isso, Paulo ordenou os cristãos a serem submissos à
Cristo, o cabeça da igreja, e àqueles que foram comissionados por ele como
“governantes” na igreja; [Parágrafo 9]; 8. Argumento: O texto de Romanos 13:4 prova que a
“autoridade” não pode ser a do mundo de Satanás. O texto diz: “pois ela é serva de Deus para você, para o seu bem. Mas, se você faz o que é mau, tenha medo, porque não é sem motivo
que a autoridade traz a espada. Ela está a serviço de Deus, para executar
vingança e expressar ira contra quem pratica o que é mau.” (Romanos 13:4) Deus não ordenou nenhuma
autoridade civil para executar julgamento sobre os membros da igreja. Logo, a
autoridade superior é o Cristo apenas. [Parágrafos
10-12]; 9. Argumento: “Os poderes gentios
usam a espada para matar. Se o texto é aplicado aos poderes gentios, então significa que tais são
revestidos de poder e autoridade sobre o povo do Senhor para literalmente
matar aqueles que estão na igreja, e que tais são vingadores de Deus. Jesus foi acusado do mal da sedição, foi injustamente
julgado e morto. Ao fazer isso, certamente o Diabo não estava agindo como vingador de Deus
ali.” [Parágrafo 13]; 10.
Tese: Isso não significa que cada indivíduo na igreja poderá punir outros a
seu bel-prazer. “Cristo e os apóstolos são os governantes da
igreja. . . e à eclésia foi confiada alguma autoridade. Nada disso é um terror para as boas obras; mas esse poder que o Senhor usa é um terror para as más
obras e ele não porta em vão o instrumento punitivo de Deus.” [Parágrafo 14]; 11.
Tese: Em Romanos 13:6, Paulo menciona o pagamento de “impostos”. Isso,
entretanto, não prova que as autoridades são aquelas do mundo. Por que não?
Porque Paulo está fazendo uma comparação. Por que razão os cristãos pagam
impostos? Por causa da sua consciência. Da mesma forma, os cristãos devem ser
submissos à autoridade superior, isto é, Jesus Cristo, por causa da sua
consciência, não aos governos do mundo. [Parágrafos 15-19]; 12.
Argumento: A expressão “eles são ministros de Deus” em Romanos 13:6 prova que as
autoridades não são as do mundo de Satanás, mas aquelas que provêm de Jeová.
A palavra para “ministros” é de onde deriva a palavra “liturgia”; refere-se à
igreja, não ao mundo secular. [Parágrafo 20]; 13.
Tese: O “temor” às autoridades superiores não se refere ao temor a um
ancião, nem deve ser usado como meio de ganhar reverência; refere-se ao temor
a Deus. (Efésios 5:21) [Parágrafos 21-24]; 14.
Tese: Cada cristão deve honrar e respeitar seu companheiro na igreja. “Se um ancião na igreja trabalha de acordo com a Palavra da verdade pelos
interesses do reino, então ele tem direito a dupla honra ou respeito. Se ele se opõe às obras do Senhor e à instrução sobre a
obra do Senhor, então ele não tem direito a nenhuma honra. (1 Tim. 5:17)”. [Parágrafos 25, 26]; 15.
Tese: Os cristãos devem obedecer leis de caráter moral nas nações (que ser
harmonizam com as leis de Deus) não apenas porque se lhes é ordenado, mas por
amor à verdade e porque obedecer é o certo a fazer. [Parágrafos 27-29]; 16.
Argumento: Romanos 13:10 prova que Paulo não se referia às autoridades do mundo.
“O amor não obra o mal para com o próximo;
portanto, o amor é o cumprimento da lei.” Se uma nação ordena
que um cristão vá à guerra e mate, o amor não poderia ser o cumprimento dessa
lei. Portanto, as palavras de Paulo não se referem às autoridades do mundo. O
cristão não deve obedecer à lei de uma nação quando contrária à lei de Deus. [Parágrafos 30, 31]; 17.
Tese: Nenhum cristão deve ir à guerra nem deve interferir nas nações em
guerra. Cada nação em guerra deverá decidir o que fazer. Os cristãos não se
envolvem nisso. O cristão que morrer fiel a Deus, receberá sua recompensa
celestial; mas se ele for à guerra e morrer em batalha, sua esperança
acabará. [Parágrafo 32-37]; 18.
Tese: Os cristãos erroneamente têm concluído o seguinte: “Devemos deixar o mundo ver que somos tão doces e inofensivos que os
governantes observarão que estivemos com Jesus e aprendemos dele.” Isso está errado. Os cristãos devem ser destemidos e bravos. [Parágrafo 32-37]; 19.
Tese: Não é hora de dormir, é hora de despertar para a obra do Senhor.
(Romanos 13:11) O cristão não tem parte no mundo de Satanás. Cristo é o
cabeça de todos os cristãos que são ungidos por espírito; a organização do
Senhor é conhecida pelo título genérico “A Sociedade”. [Parágrafo 38-45]; 20. Tese: “Que todas as
controvérsias cessem entre o povo do Senhor, e que aqueles que não desejam
ter qualquer parte na obra do Senhor se afastem e permaneçam quietos e não
tentem impedir a obra do Senhor.” Que todos os ungidos marchem juntos como um
exército destemido. [Parágrafos 46-48]; |
Posteriormente sugiro que você leia o artigo de 1929 de forma completa. Você pode usar o Google Tradutor caso não seja fluente em inglês.
Efeitos severos de um entendimento errado
Após
ter visto com seus próprios olhos quão intenso foi o ensino de 1929, talvez
você ainda esteja se perguntando quão relevante foi. Os entendimentos de
1929 e 1962 produziram efeitos severos no protocolo das TJs [Testemunhas de Jeová] em geral e da
liderança da organização.
Entre
os anos de 1929 e 1962, durante os quais o entendimento sobre as autoridades
superiores de Romanos 13 era que se referiam a Jeová e a Jesus, as TJs no mundo
inteiro tinham uma postura destemida e intrépida em relação aos governos
seculares, ao ponto de que, com a mentalidade que temos hoje, julgaríamos
“inconsequente”.[1] Em vários países as TJs
batiam de frente com as autoridades quanto ao direito e dever de pregar. Não
havia rota alternativa ou diplomacia, nem discrição, nem cautela – o negócio
era punk. (Perdoem-me pela gíria, mas acho que o termo descreve
corretamente o que tenciono dizer.)
Nos
EUA, a postura das TJs teve um resultado positivo na sociedade e foi
determinante para que se abrissem portas para liberdades individuais que hoje
existem em um dos países mais prósperos e livres do mundo. Portanto, os
americanos têm muito a agradecer às Testemunhas de Jeová pela liberdade de
expressão que usufruem.
Em
contrapartida, outro resultado dessa visão e postura foi que em muitos países muitos
irmãos foram presos por pregar abertamente, sem discrição nem cautela, e por
bater de frente com as autoridades. Certa irmã que tinha filhos em idade
infantil foi presa por muitos anos por pregar e enfrentar autoridades
destemidamente e por se negar a parar com a pregação de casa em casa. Ela
perdeu a chance de ver seus filhos crescer, perdeu grande parte da vida na
cadeia, sendo que isso poderia ter sido evitado se ela continuasse pregando,
porém com a postura adotada atualmente pela organização, a saber, de discrição
e cautela. Não havia isso na época.
A
revista A Sentinela de 1º de agosto de 1951, p. 125, par. 7 mostrou os efeitos
do entendimento sobre as “autoridades superiores” enquanto ainda estava
vigente:
As conclusões às quais se chegou foram publicadas nos números de 1 e 15
de junho de 1929 de The Watchtower no artigo, em duas partes, titulado
“As Autoridades Superiores”. A aderência a estas conclusões desde então custou a muitas das
testemunhas sua liberdade pessoal e até sua vida. Contudo perseguições,
prisões, exílio, e morte violenta foram também o preço que os fiéis apóstolos
de Jesus pagaram por dar a Deus as coisas de Deus e a César apenas as coisas de
César e por prestar a devida sujeição às genuínas “autoridades superiores.”
Depois
de 1962, a coisa começou a mudar. Atualmente, as TJs ainda cumprem a ordem
bíblica de pregar as boas novas, mesmo sob proscrição. (Mateus 24:14)
Entretanto, hoje se usa de cautela, visando a proteção e o sigilo dos irmãos.
Em países onde pregar é proibido, os irmãos não pregam de casa em casa, visto
que este é um método de pregação, não uma ordem sobre como pregar. (Atos 20:20)
Ademais, os irmãos não batem de frente com autoridades hostis à obra do reino;
antes, eles procuram ser invisíveis aos olhos das feras. Esta postura é o
oposto diametral da que vigorava entre 1929 e 1962.
Em relação à essência no conceito do ensino de 1929 e do atual, contudo, a conduta civil e o reconhecimento da posição de Cristo e de Jeová são a mesa coisa. Atualmente as autoridades superiores de Romanos 13 não são entendidas como se referindo a Jeová e a Jesus, mas aos governos civis; ainda assim, toda Testemunha de Jeová no mundo inteiro entende que Jesus e Jeová são as maiores autoridades no universo, e sabem que é a eles que devem obediência absoluta. Ademais, mesmo em 1929 entendia-se a obrigação de cada cristão ser um cidadão exemplar e honesto nos deveres civis do cotidiano. Portanto, nestes pontos não há diferença relevante entre os dois entendimentos.
Ficou
claro até agora que o entendimento de 1929 foi algo muito, muito intenso e
sério. Mas a coisa fica bem pior, quando consideramos os efeitos da veemência da
posição das TJs a partir de 1929 sobre as “autoridades superiores” em como tratavam os que se opunham a este conceito, bem como a forma em que ocorreu a posterior mudança de conceito em 1962. Isto será
considerado na parte final desta série de artigos.
Nota:
[1] Eu evidentemente admiro tal postura e acho até edificante ler relatos sobre as atitudes dos irmãos naquela época. Atualmente, nossa cultura criou em nós uma mentalidade mais politicamente correta, onde discrição e cautela são regras; conflitos devem ser evitados e sempre a diplomacia é priorizada. Mas nos anos que seguiram a 1929, as pessoas eram emocionalmente muito fortes e impávidas, destemidas. Isso parece estranho para nós hoje, mas era muito comum na época.
Contato: oapologistadaverdade@gmail.com
Os artigos
deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a fonte: o
site www.oapologistadaverdade.org
Comentários
"Temos que confiar da mesma forma que os irmãos confiaram e seguiram as orientações sobre o entendimento das autoridades superiores de Romanos 13 e foram presos e mortos e depois o ensino foi anulado e ficou tudo por isso mesmo? Quem morreu, morreu, quem foi preso, foi preso e fica tudo por isso mesmo?"
Cuidado, vão chamá-lo de APÓSTATA.
Prezado, eu entendo sua indignação. Mas temos que observar alguns pontos além do superficial. Uma frase assim poderá mais desencaminhar do que elucidar. Evite esse tipo de frase, pois devemos ser profundos em análises e observações ao invés de apenas lançar uma frase tentando mitar.
O ponto é que todas as religiões colocam a Bíblia em segundo plano, pelo menos em alguns pontos. Ninguém consegue seguir a Bíblia perfeitamente acima de toda regra humana.
O ponto em questão é que devemos minimizar as regras de homens ao nível de que elas apenas nos causem um leve incômodo ou desconforto, mas não alterem toda nossa devoção a Deus, como é o caso da organização Torre de Vigia, cuja as regras de homens dominaram a organização do início ao fim, igual ao protestantismo, catolicismo, mormonismo e até os Adventistas.
É necessário, entretanto, que a gente tenha em mente que nenhuma igreja será perfeita, e que a existência de mandamentos humanos aqui e ali não invalida completamente nossa adoração e devoção; devemos focar em consertar os problemas, não apenas em querer “mitar” com uma frase. Em verdade, “mitar” com uma frase bem dita só serve para marketing, mas não resolve coisa alguma. Precisamos de análises profundas e objetivos claros ao lançar críticas pontuais e apontar a solução. Isso sim gera resultados positivos.
Abraço.