Fonte da ilustração: jw.org
A respeito do artigo “O artigo definido prova a pessoalidade do ‘Espírito Santo’?”, certo leitor fez o seguinte comentário:
Reposta apologética.
• E Jesus,
respondendo, disse-lhes: Porventura não errais vós em razão de não saberdes as
Escrituras nem o poder de Deus? (Marcos 12:24)
• Existe um grupo de
textos bíblicos que fala da obra do Espírito Santo, enquanto outro fala da
própria Pessoa. A distinção não aparece no texto que o estudante tem em
português, apenas no original grego. Quando a expressão grega pneúma hágion
(espírito santo) não é acompanhada do artigo definido grego ho (em português
“o”) deveria ser sempre traduzido no sentido de “atitude divina”, “dádiva”,
“poder” ou “força de Deus”. Essa forma é usada 52 vezes no NT e deve ser
aplicado à dádiva e não ao doador.
• Existe uma segunda
forma usada no texto original em grego. Quando o texto grego usa o artigo
definido, que em português corresponde ao nosso “o”, sempre fala sobre a Pessoa
divina em si. Nesse caso o artigo aparece duas vezes: uma diante da palavra
grega pneúma e outra diante da palavra hágion. Assim, uma tradução literal da
expressão to pneúma to hágion seria “o Espírito, o Santo”. Neste caso o texto
bíblico estaria falando do Doador.
• O uso de dois
artigos quando o texto bíblico se refere ao Espírito Santo é o argumento
definitivo para provar a personalidade do Espírito Santo. Veja as referências a
Ele nos textos abaixo:
• “Mas quem falar contra
o Espírito Santo [tou pneúmatos tou hágion, ou seja, o Espírito, o Santo] não
será perdoado”, Mt 12.32.
• “Mas o Conselheiro,
o Espírito Santo [to pneúma to hágion, ou seja, o Espírito, o Santo], que o Pai
enviará em meu nome”, Jo 14.26.
• “Enquanto o adoravam
o Senhor e jejuavam, disse o Espírito Santo [to pneúma to hágion, ou seja, o
Espírito, o Santo]”, At 13.2.
• A Bíblia pode
referir-se a Ele chamando-o apenas “o Espírito” [to pneúma] (como em At 8.29;
10.19), ou simplesmente, “o Santo” [tou hágiou] (1Jo 2.20). Em ambos os casos o
texto bíblico está tratando o Espírito Santo como um ser pessoal. A distinção
entre a dádiva e o doador pode ser percebida em Atos 2.4, onde se lê: “Todos
ficaram cheios do Espírito Santo [dádiva] e começaram a falar noutras línguas,
conforme o Espírito [Doador] os capacitava.”
• “Ausência de evidência
não é evidência de ausência.” Isto significa que não neutraliza a personalidade
do Espirito santo, como querem fazer a seita dos testemunhas de Jeová. Enfim,
mais alguma pergunta?
Resposta:
É impressionante como os
trinitaristas buscam inventar “regras” gramaticais para tentar dar base para
sua crença.
Na realidade, o uso do artigo e/ou
a repetição dele nada tem a ver com pessoalidade ou impessoalidade. Se tivesse,
chegaríamos a conclusões absurdas. Por exemplo, o substantivo theós (“Deus”) ocorre com artigo em João
1:1 e sem o artigo em João 1:6. Pela dita “regra” do tal trinitário, a primeira
referência seria a um Deus pessoal, enquanto que a segunda, a um Deus
impessoal.
A repetição do artigo para pneúma (“espírito”)
Se a dita “regra”
fosse verdadeira, então os usos de pneúma
(“espírito”) com referência aos espíritos impuros (demônios) seriam sempre
com artigo, pois os espíritos impuros são seres pessoais, os quais haviam sido
anjos no céu.
Encontramos o uso do artigo em
Marcos 9:20, e a repetição do artigo em Marcos 5:8 na expressão “espírito
impuro” (literalmente “o espírito o impuro”). Porém, em Marcos 7:25, a
palavra “espírito” ocorre SEM artigo. Segunda a tal “regra”, nesse caso tal “espírito
impuro” seria algo impessoal – uma “coisa”.
Por outro lado, o substantivo pneúma (“espírito”) com artigo definido
é aplicado ao vento em João 3:8. Pela suposta “regra”, o vento seria uma
pessoa.
A verdadeira razão gramatical para o uso e a repetição do artigo
Em regra, o objetivo do artigo é
dar qualificação, ou definição, a um substantivo, destacando-o e enfatizando-o.
A repetição do artigo é para destacar uma determinada qualidade, ou atributo, do
substantivo.
Vejamos alguns exemplos disso.
Em Tiago 1:1, o escritor se dirige
“às 12 tribos que estão espalhadas” (Lit.: “os da dispersão [gr.:
di·a·spo·raí; lat.: di·sper·si·ó·ne]”. – Nota NM Com Referências.)
Em grego encontra-se assim:
ταῖς δώδεκα φυλαῖς ταῖς ἐν τῇ διασπορᾷ.
Taîs dódeka phylaîs taîs en têi diasporãi
Às doze
tribos as em a diáspora
Notamos a
repetição do artigo feminino plural no dativo: ταῖς.
Sobre tal repetição, lemos o
seguinte na obra Biblical Exegesis of New
Testament Greek: James (“Exegese Bíblica do Novo Testamento: Tiago, Cascade
Books, 2008, p. 3), do Professor do Novo Testamento e de grego Craig Price:
Para agrupamento de
palavras associadas ou grupos de palavras:
O artigo serve para agrupar certas palavras associadas gramaticalmente
e grupos de palavras juntas. Vemos dois exemplos disso em Tiago.
(a) Repetição do artigo. Note a
repetição do artigo ταῖς
em Tiago 1:1. O artigo ταῖς é usado com φυλαῖς e
é repetido em frente da frase preposicional ἐν τῇ διασπορᾷ. Essa
repetição agrupa a frase preposicional “as quais estão na diáspora” com as
“doze tribos”. O segundo uso de ταῖς
com a frase preposicional esclarece ao
leitor que modifica “as doze tribos”. [Negrito acrescentado.]
Em outras
palavras, a repetição do artigo mostra uma característica específica das “doze
tribos” – elas estavam espalhadas.
Adicionalmente,
podemos citar a obra New Testament Greek
Primer, Third Edition: From Morphology to Grammar (“Grego Elementar do Novo
Testamento, Terceira Edição, Da Morfologia à Gramática”, pp. 67, 68), de Gerald
L. Stevens, que é Professor do Novo Testamento e de grego, e que leciona no
Seminário Teológico Batista de Nova Orleans por quase trinta anos. Ele
declarou:
A repetição do artigo torna
claro a relação gramatical daquela frase com um modificador do pronome
associado ao artigo. Por exemplo:
ὁ ναὸς τοῦ θεοῦ ὁ ἐν τῷ οὐρανῷ
ho naòs toû theoû ho en tõi
ouranõi
o templo do Deus o em o céu
Note o primeiro artigo ho, usado com ναὸς para tornar esse substantivo específico, depois é repetido em frente
de uma frase preposicional, ὁ ἐν τῷ οὐρανῷ. O artigo repetido “prende” ἐν τῷ οὐρανῷ para tornar claro que essa frase é um modificador do substantivo ναὸς. Nós temos usado uma cláusula relativa para
traduzir essa função adjetiva que o
segundo artigo gerou. [Negrito acrescentado.]
Depreende-se
claramente disso que a repetição do artigo destaca uma atribuição do
substantivo. No exemplo acima, de Apocalipse 11:19, a repetição do artigo destaca
a atribuição do templo de Deus – que é aquele
que está no céu. Como explicou Stevens, a repetição do artigo gerou uma “função
adjetiva”, ou uma qualidade ou característica, do templo (é do céu, celestial).
Outro exemplo
encontra-se em Colossenses 1:15. A expressão “Deus invisível” em grego
literalmente é “do Deus, do invisível”. Longe de ter a ver com a
pessoalidade de Deus, a repetição do artigo enfatiza uma qualidade de Deus – que
ele é invisível.
O uso e a
repetição do artigo no caso do espírito santo é similar. Como mostrou o artigo “O artigo definido prova a pessoalidade do ‘Espírito Santo’?”:
No caso do espírito santo, o uso do artigo apenas destaca que se trata de um espírito santo específico, e não dos outros espíritos santos que existem (Deus, Jesus, os anjos e a força de vida).
Coerentemente, a
repetição do artigo na expressão “o espírito o santo” serve para enfatizar a qualidade do espírito de Deus – que tal espírito é santo.
A “regra” e o espírito santo
Lemos em Atos
10:44 (ACF): “E, dizendo Pedro ainda
estas palavras, caiu o Espírito Santo
sobre todos os que ouviam a palavra.”
Observe que, no
idioma grego, encontramos a repetição do artigo:
ἐπέπεσεν τὸ πνεῦμα τὸ ἅγιον
epépésen tò pneûma tò hágion
caiu o espírito
o santo
A mesma expressão ocorre em Atos
11:15. Segundo a “regra” estabelecida pelo dito trinitário, somos levados a
concluir que uma pessoa espiritual caiu sobre as várias pessoas que estavam
ouvindo o apóstolo Pedro. Essa “pessoa”
teria que ser bem grande para abranger todos os que estavam presentes, ou
precisaria ser dividida para entrar em todos eles. Ademais, soa bem estranho
uma pessoa espiritual ‘cair’ sobre alguém. Os
seres espirituais e pessoais que se menciona como tendo “caído” são Satanás e
seus demônios, sendo tal queda um evento negativo para eles. (Lucas 10:18;
Apocalipse 12:7-9) É, pois, óbvio de que se tratava de uma energia
impessoal.
Que a diferença de composição
gramatical nada tem a ver com a suposta diferença entre ‘espírito santo dádiva’
e ‘espírito santo pessoa’ podemos ver pelo relato de Atos 8:15, 17-19:
“E estes [apóstolos Pedro e João] desceram
e oraram para que os samaritanos recebessem espírito santo [πνεῦμα ἅγιον;
pneûma hágion, sem
artigo]. Então lhes impuseram as mãos, e eles começaram a receber espírito
santo [πνεῦμα ἅγιον; pneûma hágion, sem artigo]. Quando Simão viu que
o espírito [τὸ πνεῦμα;
tò pneûma, com artigo] era dado pela
imposição das mãos dos apóstolos, ofereceu-lhes dinheiro, dizendo: ‘Deem
essa autoridade também a mim, para que todo aquele sobre quem eu impuser as
mãos receba espírito santo [πνεῦμα ἅγιον; pneûma hágion, sem artigo].”
De acordo com a “regra”
trinitária, Pedro e João oraram para que os samaritanos recebessem uma “força”
ou “atitude” divina, uma “dádiva” impessoal. Com a imposição da mão deles, os
samaritanos teriam recebido tal “atitude divina”. No entanto, Simão percebeu
que o que foi dado foi o Doador, a suposta “pessoa” do espírito santo, e não
uma dádiva. Mas, em vez de querer receber o “Doador”, Simão pediu a “dádiva”.
Porém, visto que tal diferenciação
gramatical não tem nenhum impacto interpretativo, fica fácil entender que as
alusões ao espírito santo (com e sem artigo) referem-se à mesma coisa: a força
ativa, ou energia impessoal, de Deus.
A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da
Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada
pelas Testemunhas de Jeová.
Contato: oapologistadaverdade@gmail.com
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