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Isaías 26:14 – “mortos” ou “sombras”? (Parte 4, final)


Fonte: jw.org

Esta série de artigos está examinando como diversas traduções vertem a palavra hebraica refa·ʼím no texto de Isaías 26:14 e 19.

Para acompanhar o desenvolvimento deste tema, veja os artigos anteriores, clicando nos temas abaixo:


Os artigos anteriores mostraram que a tradução de refa·ʼím no texto de Isaías 26:14 e 19 por “mortos”, por “falecidos” ou por “impotentes na morte” parece encontrar mais respaldo, tendo em vista o contexto em que refa·ʼím ocorre em diversos textos bíblicos neste uso especial do referido termo. Neste último artigo desta série, examinaremos a seguinte questão:

Qual o possível motivo da tradução “sombras” para refa·ʼím?

O Léxico Hebraico-Caldeu de Gesenius comenta sobre o substantivo refa·ʼím nestes contextos:

(1) Flácidos, débeis, fracos, somente no pl[ural], isto é, manes3, sombras vivendo no Hades, de acordo com as opiniões dos antigos hebreus, sem sangue e vida animal, portanto fracos e lânguidos como uma pessoa doente (Isa. 14:10), mas não desprovidos de poderes da mente, como a memória (Isaías 14:9, e seguintes), Salmo 88:11; Provérbios 2:18; 9:18; 21:16; Isaías 26:14, 19. (Negrito acrescentado.)



A respeito do significado da palavra “manes”, temos as seguintes definições:

[Mito.]-Na mitologia romana os Manes eram as almas dos entes queridos falecidos. – Dicionário Informal.[1]

Entre os romanos, almas dos mortos, consideradas como divindades. Divindades infernais que os romanos invocavam sobre os túmulos. – Dicionário Online de Português.[2]

Webster's New World College Dictionary define assim:

1. Na antiga crença romana, as almas deificadas dos mortos, esp[ecialmente] antiga crença romana, as almas deificadas dos mortos, esp[ecialmente] de antepassados mortos; 2. [com sing. v.] a alma ou espírito de uma pessoa morta. (Webster's New World College Dictionary, 4.ª Edição. Copyright© 2010; por Houghton Mifflin Harcourt.)[3]



O Dicionário Bíblico de Wycliffe comenta:

Pelo modo como é utilizado nestas passagens, é um equivalente aproximado dos termos “espíritos”, “sombras” ou “espíritos dos mortos”. Em outras palavras, eles são os habitantes do Seol (q.v.). O termo é encontrado na literatura ugarítica referindo-se aos espíritos dos mortos e deuses menores. Veja Morto, O; Refains, Vale dos. G. A. T. [TURNER, George A., Ph.D., Professor de Literatura Bíblica, Asbury Theological Seminary, Wilmore, Ky] – Verbete REFAINS. Páginas 1656-7. (Negrito acrescentado.)



A respeito do vocábulo ugarítico, lemos no Dicionário Michaelis:

u·ga·rí·ti·co
adj[etivo]
Relativo ou pertencente a Ugarit, antiga cidade da costa leste do Mediterrâneo, hoje atual República Árabe da Síria (Oriente Médio).[4]

A língua ugarítica deve seu nome a Ugarit, cidade outrora situada em um morro conhecido como Ras Xamra, na costa mediterrânea do que atualmente é o norte da Síria. Nessa cidade predominava a adoração pagã, de Baal e de Dagan. Os textos desenterrados evidenciam claramente a depravação da religião ugarítica. 

The Illustrated Bible Dictionary (“Dicionário Bíblico Ilustrado”) afirma sobre tais textos: Os textos, com sua ênfase em guerra, prostituição sagrada, amor erótico e a consequente degeneração social, mostram os resultados degradantes da adoração dessas deidades.[5]



Roland de Vaux, erudito francês e professor da Escola de Estudos Bíblicos de Jerusalém, teceu o seguinte comentário sobre os mesmos textos: Ao se lerem esses poemas, compreende-se a repugnância que os verdadeiros adeptos do javeísmo [os israelitas] e os grandes profetas sentiam por essa adoração.[6] 

Em Jó 26:5, as versões Sociedade Bíblica Britânica e Tradução Brasileira traduzem refa·ʼím por “os manes”, dando margem a uma palavra pagã.

Porém, contrário ao que Gesenius afirmou, os “antigos hebreus” não entendiam que o Seol (traduzido posteriormente para o grego por Hades), era um lugar em que os mortos estavam conscientes, conforme explicou o artigo “Seol e Hades significam o inferno da cristandade?”.

O Dicionário Bíblico Unger discorre o seguinte sobre o verbete “Hades”:

 

Os gregos entendiam o Hades (da mesma forma que os romanos entendiam o Orcus ou Inferna) como o destino de todos os mortos nas profundezas da terra. Trata-se de um lugar escuro, lúgubre, triste, confinado, inacessível a preces e sacrifícios e governado por Plutão, divindade que habitava o local e considerada, tanto pelos deuses como pelos seres humanos, um deus insensível, implacável e inimigo de todas as formas de vida.


Portanto, não eram os israelitas, que seguiam as Escrituras Hebraicas (o “Velho Testamento”), e sim as nações pagãs que tinham o conceito de que o Hades era um local em que residiam os espíritos dos mortos em estado consciente.

Infelizmente, os comentaristas bíblicos dão interpretações pagãs aos termos bíblicos. A Bíblia TEB de Estudo traduz assim Provérbios 2:18: “Vamos engoli-los vivos, como o faz o Sheol, inteiros, como os que descem ao fosso.” A nota de rodapé dessa tradução sobre “Sheol” declara:
  

A concepção da morada dos mortos (o Sheol), presente em todos os livros do AT [Antigo Testamento], é ilustrada por Nm [Números] 16,31-33. Trata-se de um mundo subterrâneo, em que os mortos vivem uma vida apagada, como sombras, “Refaim”, cuja morada é trevas e poeira (cf. Is[aías] 14,9). (Negrito acrescentado.)


 


Assim, a tradução “sombras” para o vocábulo refa·ʼím parece ser influência de conceitos pagãos, originados na adoração falsa.

E, por fim, observe o contraste das duas situações descritas em Isaías, capítulo 26:

Eles estão mortos; não viverão. Refa·ʼím na morte, não se levantarão.” (Versículo 14.)

“Os seus mortos viverão. Os cadáveres do meu povo se levantarão. Acordem e gritem de alegria, vocês que residem no pó! Pois o seu orvalho é como o orvalho da manhã, e a terra deixará que  refa·ʼím voltem a viver.” (Versículo 19.)

O verso 14, ao falar dos inimigos do povo de Deus, fala de refa·ʼím não ser ressuscitado, ao passo que o verso 19, ao falar do povo de Deus, afirma que esses refa·ʼím voltam a viver. Assim, a tradução “mortos”, “falecidos” e “impotentes na morte” para refa·ʼím parece realmente ajustar-se ao real sentido de Isaías 26:14 e 19.


Notas:

[4] Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/>.
[5] Apud Revista A Sentinela de 15 de julho de 2003. Página 24. Ugarit — cidade antiga sob a sombra de Baal.
 [6] Ibidem. 

Explicação das siglas usadas:

ACF: Almeida Corrigida Fiel.
AKJV: American King James Version.
AM: Ave Maria.
ARA: Almeida Revista e Atualizada.
ARC: Almeida Revista e Corrigida.
ARIB: Almeida Revisada Imprensa Bíblica.
ASV: American Standard Version.
BJ: Bíblia de Jerusalém.
BP: Bíblia Pastoral
DR: Douay Rheims
GB: Genebra Bible.
JPS: Jewish Publication Society AT.
LOT: Leeser Old Testament.
NAA: Nova Almeida Atualizada.
NTLH: Nova Tradução na Linguagem de Hoje.
NVI: Nova Versão Internacional.
OL: O Livro.
RV: Reina Valera 1989.
RWV: Revised 1833 Webster Version.
SBB: Sociedade Bíblica Britânica.
VW: A Voice in the Wilderness Bible.
TB: Tradução Brasileira.


Referências:

Bíblia Comentada. Disponível em: <https://bibliacomentada.com.br

Bíblia em Hebraico Transliterado. Disponível em: <http://www.hebraico.pro.br/r/biblia/

Bíblia Online. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/>.

Bíblia Pastoral. Disponível em: <http://www.paulus.com.br/biblia-pastoral/>.

Bíblia TEB de Estudo. Edições Loyola. Disponível em: <Parte superior do formulário
Parte inferior do formulário

Blue Letter Bible. Disponível em: <https://www.blueletterbible.org/lang/lexicon/>.

Brown-Driver-Briggs. Léxicos da Bíblia. Dicionário lexical hebraico do Antigo Testamento. Disponível em: <https://www.studylight.org/lexicons/hebrew/7496.html>.

______. Brown-Driver-Briggs Hebraico e Inglês Lexicon, Unabridged, banco de dados eletrônico.
Copyright © 2002, 2003, 2006 by Biblesoft, Inc. 

Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible. Disponível em: <https://www.biblestudytools.com/commentaries/jamieson-fausset-brown/isaiah/isaiah-26.html>.

Dicionário Bíblico de Wycliffe. 2006. Casa Publicadora das Assembleias de Deus. Aprovado pelo Conselho de Doutrina. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. 2.ª Edição: 2007.

Dicionário Bíblico Unger. Merril F. Unger; R. K. Harrison; tradução Vanderlei Ortigoza e Paulo Sérgio Gomes. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil.


John Gill’s Exposition of the Bible.

Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong. © 2002 Sociedade Bíblica do Brasil. Barueri, SP. Disponível em: <http://www.sbb.org.br>.

Lueur un Eclairage sur la foi. (“Brilha uma Luz Sobre a Fé”) Disponível em:  <https://www.lueur.org/bible/hebreu-grec/strong/h7496>.

NAS Concordância Exaustiva da Bíblia com Dicionários Hebraico-aramaicos e Gregos. Copyright © 1981, 1998 por The Lockman Foundation. Lockman.org

Rapha. Bible Apps. Disponível em: <http://bibleapps.com/hebrew/7496.htm>.

______. Bíblia Paralela. https://bibliaparalela.com/hebrew/7496.htm>.

Rapha. Bible Hub. Disponível em: <https://biblehub.com/hebrew/7497.htm

Scofield Reference Notes (1917 Edition). Disponível em: <https://www.biblestudytools.com/commentaries/scofield-reference-notes/isaiah/isaiah-26.html>.


Sociedade Bíblica do Brasil. Pesquisa da Bíblia. Disponível em: <http://www.sbb.org.br/conteudo-interativo/pesquisa-da-biblia/>.



A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada pelas Testemunhas de Jeová.



Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org






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