A famosa frase atribuída
a Jesus – “Quem dentre vós não tiver pecado, atire
a primeira pedra” – bem como a história em torno dessa frase (em João 7:53 a
8:11) não fazem realmente parte da Bíblia Sagrada. A chamada “perícope[1] da
adúltera” não consta dos manuscritos mais antigos de João: os códices P66 e o
P75 do terceiro século. Também não está presente no Códice Sinaítico nem no Códice Vaticano, do quarto século.
O primeiro manuscrito em que a
perícope aparece é o Códice Bezae do quinto século. O estudioso bíblico americano,
tradutor da Bíblia e crítico textual Bruce Metzger afirmou: “Nenhum
padre grego antes de Eutímio Zigabeno (século XII) comentou sobre a Perícope da
Adúltera e Eutímio declarou que as cópias mais precisas dos Evangelhos não a
continham”.
Jerônimo incluiu tal passagem na Vulgata,
sua tradução da Bíblia para o latim. Em razão disso, a Perícope da Adúltera
tornou-se universalmente conhecida e aceita.
A obra Estudo Perspicaz das Escrituras (volume 2, p. 120, verbete “João, Boas Novas Segundo”) comentou:
A Passagem Espúria de João 7:53–8:11. Estes 12 versículos foram obviamente acrescentados ao texto original do Evangelho de João. Não se encontram no MS Sinaítico, nem no MS Vaticano N.º 1209, embora apareçam no Códice Bezae do quinto século, e em manuscritos gregos posteriores. São omitidos, contudo, pela maioria das versões antigas. É evidente que não constituem parte do Evangelho de João. Certo grupo de manuscritos gregos situa esta passagem no fim do Evangelho de João; outro grupo o coloca depois de Lucas 21:38, apoiando a conclusão de que é um texto espúrio e não inspirado.
A Bíblia na Linguagem de Hoje traz a seguinte nota de rodapé sobre João 8:1-11: “Os versículos 1 a 11 não fazem parte do texto original grego.” A versão de João Ferreira de Almeida da Imprensa Bíblica Brasileira contém a seguinte nota de rodapé: “Na maior parte dos manuscritos antigos não consta este trecho de João 7.53 até 8.11. Ambas as traduções colocam essa passagem entre colchetes.
O estudioso bíblico Benjamin
Wilson (1817-1900), autor da Emphatic Diaglott, uma
das primeiras traduções interlineares em grego-inglês a ser publicada
nos Estados Unidos da América, trouxe a seguinte explicação na nota de
rodapé da referida tradução sobre a perícope da adúltera:
Este parágrafo sobre a mulher apanhada em adultério está faltando nos manuscritos alexandrinos (veja o Prefácio de Woide), Vaticano, Ephraem e outros de grande autoridade, e nas cópias mais antigas das versões siríacas; e não é citado por Orígenes, Crisóstomo e outros antigos escritores eclesiásticos. Encontra-se no manuscrito de Cambridge, embora com algumas variações do texto recebido. Griesbach o mantém em seu texto; mas com grande hesitação. – Improved Version [“Versão Melhorada’].
Comentário de Adam Clarke:
Todos os versículos intermediários foram omitidos por MSS. [manuscritos] da primeira antiguidade e autoridade. Em alguns MSS. é encontrado no final deste evangelho; em outros, um lugar vago é deixado neste capítulo; e em outros, é colocado após o capítulo 21 de Lucas.
A Bíblia de Estudos de
Genebra diz:
Estes versículos não ocorrem
na maioria dos melhores manuscritos gregos desse evangelho. Os manuscritos
antigos em que esses versículos ocorrem o colocam em lugares diferentes (aqui;
após 7,36; após 21,25; após Lucas 21,38; e após Lucas 24,53). A partir de 7,53 e
8,1, fica claro que a localização dessa narrativa não é original, pois Jesus
não estava presente na reunião descrita em 7,45-52. Essa evidência sugere que
esses versículos não faziam parte do original deste evangelho.
A versão Peshitta afirma: “A
famosa história da mulher adúltera não aparece nos manuscritos da peshitta
nem do siríaco antigo.”
A Bíblia Sagrada Edição
Trilíngue (grego, inglês e português) afirma na nota de rodapé que que
essa passagem não consta no Evangelho de João. A Bíblia de Jerusalém afirma que “o
autor desta passagem não é João”.
Marcelo Raupp, em sua dissertação de
mestrado para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Tradução, teceu o
seguinte comentário:
Conforme Geisler e Howe
(1999, p. 422-423) e Trebolle Barrera (1999, p. 497), o problema textual de
João 7:53 – 8:11 consiste no seguinte:
a) A passagem está ausente
nos manuscritos da tradição alexandrina e em parte da cesariense e da
ocidental. O manuscrito em grego mais antigo a registrar a passagem é o Códice
Beza, produzido por volta de 500 d.C. (cf. seção 1.4.2, alínea a);
b) Ela não aparece nas
traduções mais antigas da Bíblia feitas para o siríaco, copta, gótico e latim;
c) Não há comentário algum
acerca da passagem nas obras cristãs publicadas nos primeiros onze séculos do
cristianismo;
d) Não é citada pelos
primeiros pais da igreja;
e) Possui estilo e
vocabulário diferentes do restante do quarto evangelho;
f) O relato não se enquadra
no contexto em que aparece, sendo muito pouco apropriado o lugar que ocupa
(entre João 7:52 e 8:12);
g) Há manuscritos em que o
relato aparece após João 7:36, João 7:44, João 21:24 e Lucas 21:38;
h) Muitos dos manuscritos
que incluíram o relato após João 7:52 o assinalaram com um óbelo ou asterisco,
a fim de indicar que se trata de uma passagem duvidosa.
Podemos interpretar esses
fatos como evidências de que a história da mulher adúltera não é parte
integrante do evangelho de João. Ou seja, eles parecem indicar que estamos
diante de um acréscimo posterior, feito por copistas.[2]
Traduções
que colocam a referida passagem entre colchetes
English
Standard Version
New
American Standard Bible
NASB
1977
Amplified
Bible
American
Standard Version
Almeida
Revisada Imprensa Bíblica
Almeida
Revista e Atualizada
Christian
Standard Bible
Good
News Translation
Literal
Standard Version
NET
Bible
Worrell
New Testament
Emphatic Diaglott
Tradução
do Novo Mundo das Escrituras Sagradas
Veja
também os artigos:
“A‘mulher apanhada em adultério’ – essa história está mesmo na Bíblia?”
“‘Quem não tiver pecado que atire a primeira pedra’ – isso está na Bíblia?”
Notas:
[1] “Perícope” (do grego περικοπη [pericopé], “ação de cortar em volta”) é um trecho, pequeno ou longo, retirado de um texto.
[2] RAUPP, Marcelo. Uma análise descritiva de três traduções brasileiras da Bíblia a partir de alterações introduzidas nos manuscritos em língua original. [dissertação] / Marcelo Raupp ; orientadora, Cláudia Borges de Faveri. – Florianópolis, SC, Brasil. 2010. 91 p. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/>.
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