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Jesus Cristo foi chamado de “anjo” em Gálatas 4:14?



Fonte da ilustração: jw.org


Um leitor escreveu:

Bom dia, irmão. Eu gostaria de sugerir um assunto para artigo no seu site.
Eu gostaria de saber se é correto interpretar as palavras de Paulo como dizendo que Jesus é um anjo. O seguinte texto é bem direto nesse assunto, mas devido à vírgula que quebra o fluxo do texto alguns podem dizer que Paulo cita dois exemplos diferentes: um anjo de Deus e Jesus.
Mas, será que na mente de Paulo Jesus é o anjo a quem ele se referiu no exemplo??
Gálatas 4:14: “Apesar da minha doença ter sido um grande peso, vocês não me desprezaram nem me expulsaram. Pelo contrário! Vocês me receberam como se eu fosse um anjo de Deus, como se eu fosse o próprio Jesus Cristo!”

Resposta:

Bart D. Ehrman, em seu livro “Como Jesus se tornou Deus”, afirma sobre Gálatas 4:14:

Nesse verso Paulo chama Cristo de anjo.
[…]
Conforme Charles Grieschen argumentou, e agora foi afirmado em um livro sobre Cristo como um anjo, da especialista em Novo Testamento Susan Garrett, o verso não diz que os gálatas receberam Paulo como um anjo ou como Cristo, diz que receberam como um anjo, tal como Cristo. Por conclusão lógica, Cristo é, pois, um anjo.
O motivo para se interpretar o verso assim tem a ver com a gramática grega. Quando Paulo usa a construção “mas como […] como”, não está contrastando duas coisas, está afirmando que as duas coisas são a mesma coisa. Sabemos disso porque Paulo usa essa construção gramatical em dois outros pontos de seus textos, e o significado naqueles casos é inequívoco. Por exemplo, em 1 Coríntios 3:1, Paulo diz: “Irmãos, não lhes pude falar como a pessoas espirituais, mas como a pessoas carnais, como a crianças em Cristo”. O último trecho, “mas como [...] como”, indica duas características que identificam os destinatários da carta de Paulo: pessoas carnais e crianças em Cristo. Não são duas declarações contrastantes, elas modificam uma à outra. Isso também pode ser dito dos comentários de Paulo em 2 Coríntios 2:17, que também possui essa característica gramatical. Em Gálatas 4:14, portanto, isso significa que Paulo não está contrastando Cristo com um anjo, está igualando-o a um anjo. Garrett vai um passo adiante e indica que Paulo “identifica [Jesus Cristo] como o anjo principal de Deus.” – Páginas 322-323. (Negrito acrescentado.)

Observe abaixo como ocorre no texto grego um dos textos citados na obra acima:

1 Coríntios 3:1:

οὐκ ἠδυνήθην λαλῆσαι ὑμῖν ὡς πνευματικοῖς
ouk edynéthen lalêsai hymîn hos pneumatikoîs
não pude falar a vós como espirituais

 ἀλλ' ὡς σαρκίνοις, ὡς νηπίοις ἐν Χριστῷ
allá hos sarkínois, hos nepíois en Khristôi
mas como carnais, como criancinhas em Cristo

No texto acima, a construção “como carnais, como criancinhas” faz alusão à mesma coisa. Os termos “carnais” e “criancinhas” aplicam-se aos cristãos a quem Paulo se dirigia. Seguindo esse raciocínio, em Gálatas 4:14, as expressões “um anjo de Deus” e “Cristo Jesus” referir-se-iam a uma única pessoa: o Senhor Jesus Cristo.


ἀλλὰ
 allà
mas 
Conjunção
ὡς
hos
como
Advérbio
ἄγγελον 
ángelon
anjo 
Substantivo masculino acusativo singular
Θεοῦ
Theou
de Deus

Substantivo masculino genitivo singular
ἐδέξασθέ
edéxasthe
vocês receberam

verbo no aoristo indicativo médio, 2.ª pessoa do plural
με 
Me
Me
Pronome pessoal possessivo no acusativo da 1.ª pessoa do singular
ὡς
hos
como 
advérbio
Χριστὸν
Christòn
Cristo 
Substantivo acusativo masculino singular
Ἰησοῦν

Iēsoûn

Jesus
Substantivo masculino acusativo singular

Charles A. Gieschen é professor assistente de Teologia Exegética e presidente do departamento de Teologia Exegética no Seminário Teológico Concórdia, em Fort Wayne, Indiana. Ele afirmou:

Há, no entanto, o suporte para uma exegese mais literal de Gal. 4:14b. Paulo compreendeu que os gálatas o tinham recebido como um ser angelical. Vai-se argumentar que ESTE entendimento foi baseado na convicção de Paulo que ele tinha sido unido com um anjo muito específico: anjo de Deus, Jesus Cristo.” – Angelomorphic Christology: Antecedents and Early Evidence; (“Cristologia Angelomórfica. Antecedentes e os Primeiros Indícios”, p. 316, 1998. Negrito acrescentado.)

Susan R. Garrett, professora de Novo Testamento no Seminário Teológico Presbiteriano Louisville, em seu livro No Ordinary Angel: Celestial Spirits and Christian Claims about Jesus (“Nenhum Anjo Ordinário: Espíritos Celestiais e Reivindicações Cristãs sobre Jesus”) apoia o conceito de que o entendimento cristológico de Paulo em Gálatas 4:14 era o de que Cristo é um anjo. Ela afirma:

Em outras palavras, Paulo está fazendo a afirmação espantosa de que, ‘quando eu preguei primeiro o evangelho aos Gálatas, eu estava unido com Jesus Cristo’ (veja Gl 2:20), a quem Paulo identifica com anjo-chefe de Deus. Em outras passagens, também, a linguagem de Paulo sugere que ele fazia sentido da pessoa e obra de Jesus comparando-o aos anjos, ou até mesmo identificando-o com o chefe anjo de Deus. Outros autores do Novo Testamento fazem o mesmo, incluindo os autores de Lucas e Atos, João, Hebreus, Judas e Apocalipse. – 2008, p. 11. (Negrito acrescentado.)


Dale B. Martin, especialista no Novo Testamento e nas Origens Cristãs, Mestre em Divindade pelo Seminário Teológico de Princeton e Ph.D. pela Universidade de Yale também partilha a mesma convicção. O mesmo o faz Loren Stuckenbruck, historiador do cristianismo primitivo e do judaísmo do Segundo Templo , atualmente professor do Novo Testamento na Universidade de Munique, na Alemanha. 

Por outro lado, nem todos os teólogos entendem que a gramática exige tal conclusão. Para estes, parece mais razoável tomá-la como uma espécie de declaração de graduação, “anjo de Deus” e “Cristo Jesus” sendo categorias ascendentes.

Larry Hurtado, estudioso do Novo Testamento, historiador do cristianismo primitivo e professor emérito de Língua, Literatura e Teologia do Novo Testamento na Universidade de Edimburgo, Escócia, discorre sobre essa interpretação de Gálatas 4:14:

Ehrman insiste que isto deve ser lido como uma construção plana e apositiva, em que “um anjo de Deus” = “Cristo Jesus”. Mas esta não é uma afirmação tão convincente como ele pensa. Mesmo Gieschen (em cujo trabalho Ehrman confia aqui) apresenta esta leitura da construção como apenas uma “possibilidade” distinta. E a maioria dos estudiosos (eu incluído) não pensam que isso realmente é assim. A gramática certamente não exige isso, e parece mais razoável levá-lo como uma espécie de declaração de escalão, “anjo de Deus” e “Cristo Jesus” como categorias ascendentes.
Além disso, Ehrman não considera outras evidências que Paulo distinguiu entre Jesus e os anjos, como por exemplo em Romanos 8:38-39, onde Paulo afirma liricamente que “nada em toda a criação”, incluindo os anjos, pode separar os crentes do amor de Deus em “Cristo Jesus, nosso Senhor”. Ou note 1 Cor. 6:3, onde Paulo afirma que, com base em sua redenção em Cristo, os crentes julgarão os anjos (na consumação escatológica). Em resumo, a cristologia de Paulo parece colocar Jesus em uma categoria própria, superior e distinta dos anjos. (Negrito acrescentado.)

Os que propõem a interpretação de que Paulo referiu-se a Jesus como “anjo” em Gálatas 4:14 não parecem entender que Jesus é um anjo na acepção literal do termo, como uma criatura celestial.

Pedro M. Rosario Barbosa, professor de filosofia da Universidade de Porto Rico em Cayey, em sua obra Pablo el Emisario Odiado e Incomprendido. Desmitificando Prejuicios em torno a Pablo de Tarso a la luz de la exégesis bíblica contemporânea (“Paulo o Emissário Odiado e Incompreendido. Desmistificando Preconceito em torno de Paulo de Tarso à luz da exegese bíblica contemporânea”, Edições Nóema) afirma:

Uma terceira interpretação: Jesus, o Mensageiro de Yahveh? […] Esta teoria propõe que o Messias seja a encarnação de um mensageiro divino. – P. 145.
(Gál 4:14). De acordo com vários estudiosos, a estrutura da passagem parece sugerir que Paulo foi recebido como um mensageiro celestial, isto é, como o próprio Jesus. – P. 145.
De acordo com Gieschen, podemos denotar um mensageiro celestial como um espírito ou um ser celestial que medeia entre o reino humano e o divino. Sabemos que, durante o primeiro século, Jesus foi considerado como um ser celestial ou divino mediando entre a humanidade e Deus. Nesse sentido, ele também pode ser considerado como um mensageiro celestial, seja como primogênito da criação ou como o Logos divino. – P. 146.
De acordo com Garrett, Paulo viu Jesus como o Mensageiro de Yahveh, o maior e mais importante de todos os mensageiros divinos. – P. 146.
Devemos também ter em mente que, na literatura hebraica, os mensageiros celestes em geral foram chamados de “filhos de Deus”. – P. 146. (Negrito acrescentado.)

Conclusão

Independente de Gálatas 4:14 referir-se ou não a Jesus com o termo “anjo”, é amplamente aceito pelos religiosos das religiões da cristandade que Jesus é referido como “anjo de Jeová” no “Velho Testamento”. (Veja os artigos “Quem é o anjo de Jeová” e “Debate sobre o anjo de Jeová”.) Assim, reconhece-se que o termo “anjo” é usado para Jesus.

Ademais, há religiosos que entendem que Miguel, o arcanjo, é o próprio Jesus Cristo. Arcanjo significa “anjo principal”. Sobre esse tema, veja os artigos abaixo:


Na tentativa de negar que o termo “anjo” pode ser empregado em relação a Jesus, alguns citam o texto de Hebreus 1:5, que declara: “Por exemplo, a qual dos anjos Deus disse alguma vez: ‘Você é meu filho; hoje eu me tornei seu pai’? E novamente: ‘Eu me tornarei seu pai e ele se tornará meu filho’?” Sobre essa passagem, veja o artigo “Hebreus 1:5 prova que Jesus não é o arcanjo Miguel?”.

É também reconhecido pelos teólogos da cristandade que o Senhor Jesus Cristo é o “anjo” de Apocalipse 10:1. Veja o artigo “Hebreus 1:5 prova que Jesus não é o arcanjo Miguel?”.


Referências:

Barbosa, Pedro M. Rosario. Pablo el Emisario Odiado e Incomprendido. Desmitificando Prejuicios em torno a Pablo de Tarso a la luz de la exégesis bíblica. Edições Nóema. Disponível em: < http://pmrb.net/pablo/sites/default/files/pablo3ed2.pdf>.

Ehrman, Bart D. Como Jesus se tornou Deus. São Paulo: LeYa. 2014.

______ Cristo como um anjo em Paulo. Disponível em: <https://ehrmanblog.org/christ-as-an-angel-in-paul-2/>.

Garrett, Susan R. No Ordinary Angel: Celestial Spirits and Christian Claims about Jesus. The Anchor Yale Bible Reference Library. New Haven and London: Yale University Press, 2008.

Hurtado, Larry. How Jesus became “God,” per Ehrman. 29 de maio de 2014. Disponível em: <https://larryhurtado.wordpress.com/2014/12/10/jesus-as-gods-chief-agent-in-mark/>.



A menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada pelas Testemunhas de Jeová.



Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org



Comentários

Unknown disse…
Muito boa a matéria Apologista. Parabéns!
Unknown disse…
Então esse texto GALATAS 4:14 pode ser usado para provar que Jesus é um anjo,seguindo a gramatica grega?
1 Coríntios 3:1 favorece esse entendimento. Porém, outros comentaristas bíblicos entendem que Gálatas 4:14 faz alusão a uma escala ascendente, escalonada. O que o artigo mostrou é que não dependemos de Gálatas 4:14 para mostrar biblicamente que Jesus é referido na Bíblia com o termo “anjo”.
Silva Vagner disse…
Eu creio que podemos usar sim esse texto como parte de um argumento para provar que Jesus pode ser chamado de anjo!
Tente fazer isso na palestra com alguém e veja o resultado.... A pessoa no mínimo vai ficar pensativa....MUITO PENSATIVA!����

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