Em Juízes 9:8, 9 encontramos parte
da parábola de Jotão, onde lemos: “Certo dia, as árvores foram ungir um rei
sobre si. Assim, disseram à oliveira: ‘Reine sobre nós.’ Mas a oliveira lhes
disse: ‘Deveria eu abrir mão do meu azeite, com o qual se glorifica a Deus e
aos homens, para balançar acima das outras árvores?’”.
Nessa ilustração, Jotão usa um
recurso muito comum – a personificação, ou prosopopeia. Esta figura de linguagem
tem sido definida como “o ato de conferir características
humanas aos objetos inanimados ou ao que é abstrato, como as emoções e
animais, por exemplo”.[1]
A respeito dessa passagem, um
leitor deste site comentou:
“Juízes 9:8, 9 é um texto muito significativo, que eu uso (junto com
Isaías 14:9-12, que chamo de ‘Parábola do Lúcifer’) para ajudar a elucidar a
Parábola do Rico e do Lázaro. Pois, em contexto simbólico e parabólico, não são
só os mortos que falam (Isaías 14:9, 10), mas também as árvores (Isaías 14:8).
Por isso, não é tão estranho e sem precedente que os mortos no Hades em Lucas,
capítulo 16, falem. ”
De fato, é reconhecido por alguns
teólogos que a parábola do rico e do Lázaro não é literal, mas sim contém
simbolismos para ilustrar a situação sociocultural da época de Jesus Cristo. Como
afirmou a excelente obra “É Esta Vida Tudo o Que Há?”:
Há poucos motivos para os
clérigos da cristandade não conhecerem este entendimento da parábola de Jesus.
Um destacado comentário protestante, em inglês, A Bíblia do Interpretador,
traz à atenção uma explicação similar. Salienta que muitos interpretadores
acreditam que as palavras de Jesus sejam “um
apêndice alegórico que pressupõe o conflito entre o primitivo cristianismo e o
judaísmo ortodoxo. O rico e seus irmãos representam os judeus descrentes.
Faz-se Jesus asseverar que eles se recusaram obstinadamente a se arrepender,
apesar do testemunho óbvio a respeito de si próprio na Escritura e a predizer
que deixariam de ficar impressionados pela sua ressurreição. É concebível que
Lucas e seus leitores tivessem dado alguma interpretação assim a estes
versículos.” E numa nota ao pé da página, sobre Lucas, capítulo 16, a Bíblia
de Jerusalém, católica, em inglês e outras línguas, reconhece que esta é
uma “parábola em forma de história, sem
referência a qualquer personagem histórico”. – “Um rico no Hades”, pp. 108-109. (Negrito acrescentado.)
O significado dessa parábola foi
considerado no artigo “O Rico e Lázaro –história real ou parábola?”. Com relação à ilustração de Isaías 14:9-12, poderá verificar uma consideração
do assunto no artigo “Isaías capítulo 14 indica que os mortos estão conscientes?”.
As “almas” clamando
A figura de linguagem da
personificação, ou prosopopeia, pode nos ajudar a esclarecer outra passagem – a
de Apocalipse 6:9, 10, que declara: “Quando ele abriu o quinto selo, vi por
baixo do altar as almas dos que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus
e por causa do testemunho que haviam dado. Eles clamaram em alta voz: ‘Até
quando, Soberano Senhor, santo e verdadeiro, tu te refrearás de julgar os que
moram na terra e de vingar o nosso sangue, que eles derramaram?’”
A respeito dessa passagem, note o
comentário do mesmo leitor citado acima:
Quanto ao outro texto usado pelos imortalistas – Apocalipse 6:9, 10 – aí
já é até ridículo, é uma passagem justamente de onde? Do APOCALIPSE! Em
Apocalipse 6:7, 8, será que a Morte é uma pessoa montada em um CAVALO também?
Com efeito, Apocalipse é um livro
altamente simbólico. Dois artigos deste site
consideraram o significado de Apocalipse 6:9, 10: “Apocalipse 6:9-11 é evidência de que a alma não morre?” e “Quem eram as ‘almas’ debaixo do altarem Apocalipse 6:9?”.
Fonte: Pinterest.com
O uso de Atos 5:3, 4 para tentar provar a
personalidade do espírito santo
Lemos em Atos 5:3, 4: “Mas Pedro
disse: ‘Ananias, como Satanás levou você a mentir de forma descarada ao
espírito santo e ficar secretamente com parte do valor do campo? O campo não
era seu antes de você o vender? E, depois de ter sido vendido, o valor não
ficou sob o seu controle? Por que você tramou no coração fazer uma coisa
dessas? Você mentiu não a homens, mas a Deus.’”
Alguns fazem um paralelo entre ‘mentir
ao espírito santo’ (verso 3) e ‘mentir a Deus’ (verso 4), concluindo a partir
disso que a Bíblia chama o espírito santo de Deus. Contudo, tal conclusão está destituída
de hermenêutica. Observe os exemplos abaixo:
O apóstolo Paulo afirmou: “Eu
perseguia até a morte os seguidores deste Caminho [no caso, os cristãos].” (Atos
22:4) E depois afirmou que o ressuscitado Jesus Cristo lhe disse: “Eu sou
Jesus, o Nazareno, a quem você persegue.” (Atos 22:8) Se fôssemos usar a mesma
forma de raciocínio, iríamos concluir que Jesus e seus discípulos possuem a
mesma identidade!
Lemos em Números 14:2: “Todos os
israelitas começaram a se queixar contra
Moisés e Arão, e toda a assembleia falava contra eles.” E nos versos 26 e
27 lemos que Deus disse: “Até quando esta assembleia má continuará se queixando contra mim? Eu ouvi as
queixas dos israelitas contra mim.”
Pelo raciocínio trinitário, chegaríamos
à conclusão de que Moisés e Arão e Deus eram os mesmos!
Na realidade, tanto Atos 9:4, 5 quanto
Atos 22:4, 8, bem como Números 14:2, 26, 27, e muitas outras passagens bíblicas
são exemplos de representação, ou
seja, em que o representante é referido
como se fosse o que ou quem é representado por ele. Para obter uma
explicação com bases bíblicas sobre isso, veja o artigo “Uma regra bíblica desconsiderada pelos trinitaristas”.
Como figura de linguagem,
encontramos esse recurso na metonímia. Essa figura “consiste em empregar um
termo no lugar de outro, havendo entre ambos estreita afinidade ou relação de
sentido”[2].
Sendo mais específicos, podemos atribuir essa forma de representação à metalepse,
que é uma forma de metonímia. Trata-se da “substituição do nome de uma coisa
pelo nome de outra com a qual tem relação”[3].
Como a Bíblia mostra, o espírito
santo é uma energia da parte de Deus – tanto que tal espírito é chamado de “Espírito
do Senhor” em Atos 5:9. Sobre isso, observe a explicação feita no artigo “O relato sobre Ananias prova que o ‘Espírito Santo’ é uma pessoa?”:
Observe que o
espírito santo é DO Senhor, sendo assim parte intrínseca do Senhor Jeová.
Portanto, mentir ao espírito santo é uma maneira figurada de dizer que a
mentira foi feita à sua fonte – o Senhor. Por isso é que Pedro usa o verbo
“mentir” tanto em relação ao espírito santo quanto para Deus, a fonte desse
espírito.
Jesus se referiu
ao espírito santo como sendo o “dedo de Deus”. (Lucas 11:20; Mateus 12:28) O
que é feito ao dedo de uma pessoa é feito à própria pessoa. Alguém poderia
dizer: ‘Você machucou o meu dedo!’ E logo em seguida poderia
dizer: ‘Você me machucou!’
Jesus falou da representação, ou a
ilustrou, conforme vemos de suas palavras nos textos abaixo:
“Quem recebe vocês, recebe também
a mim, e quem me recebe, recebe também Aquele que me enviou.” – Mateus 10:40.
“O que vocês fizeram a um dos menores destes
meus irmãos, a mim o fizeram.” – Mateus 25:40.
No artigo seguinte, iremos ver
diversos exemplos bíblicos de personificação, que nos ajudam a entender como a
Bíblia usa esta mesma figura de linguagem para o espírito santo de Deus.
Notas:
[1] Significados. Língua Portuguesa. Significado de Personificação. Disponível em: < https://www.significados.com.br/personificacao/>.
[2] Só Português. Metonímia. Disponível em: < https://www.soportugues.com.br/secoes/estil/estil3.php>.
[3] Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Metalepse novamente. Disponível em: < https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/metalepse-novamente/19742>.
A
menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do
Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada
pelas Testemunhas de Jeová.
Contato: oapologistadaverdade@gmail.com
Os artigos deste site podem ser citados ou republicados, desde que seja citada a
fonte: o site www.oapologistadaverdade.org
Comentários