Um leitor trouxe a este site o seguinte:
Olá, amado irmão apologista! Peço
que, ao ter um tempinho, me ajude nesta pequena dúvida que tenho! Eu acabo de
examinar os três artigos que falam de João 1:1 e a regra de Colwell[1], e
pude entender a matéria sobre o uso de PNAPV [predicativo nominativo anartro
pré-verbal].
Mas a minha dúvida é encontrada
no mesmo texto de João 1:1b. Segundo a Bíblia Sagrada Africana esse texto diz:
“No princípio havia o Verbo; o
Verbo estava em Deus; e o Verbo era
Deus.”
É correta a tradução “em Deus”, em vez de “com Deus”?
Resposta:
Encontramos essa forma de traduzir também na
versão dos Missionários Capuchinhos, a qual reza: “No princípio existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; e o Verbo era Deus.”[2]
A palavra grega em questão é a preposição πρός (prós).
Em João 1:1, a preposição πρός precede
o substantivo articulado no caso acusativo ton
theòn (“o Deus”). Sobre essa construção, lemos no Léxico Léxico do Novo Testamento Grego/Português de Gingrich e Danker:
προς […] III. com o acusativo — […] 4.
denotando um relacionamento […] b. amigável Rm 5.1; 2 Co 6.14s; 7.4; Gl 6.10;
Fm 5; 1 Jo 3.21; 2 Tm 2.24.
Vejamos agora os textos citados na obra
acima:
Romanos 5:1:
εἰρήνην ἔχομεν πρὸς τὸν θεὸν
eirénen ékhomen pròs tòn theòn
paz temos
com o Deus
2 Coríntios 6:15:
τίς δὲ συμφώνησις Χριστοῦ πρὸς Βελιάρ
tís dè symfónesis Khistoû pròs Beliár
que pois harmonia de Cristo com Beliár ...?
2 Coríntios 7:4:
πολλή μοι παρρησία πρὸς ὑμᾶς
pollé moi parresía pròs hymãs
muita
minha franqueza com vocês
Gálatas 6:10:
ἐργαζώμεθα τὸ ἀγαθὸν πρὸς πάντας
ergazómetha tò agathòn pròs pántas
façamos
o bem para com todos
Filêmon 5:
τὴν ἀγάπην καὶ τὴν πίστιν ἣν ἔχεις πρὸς τὸν
κύριον Ἰησοῦν
tèn agápen kaì tèn pístin hèn ékheis pròs tòn Kýrion Iesoûn
o
amor e a fé que você tem para com o
Senhor Jesus
1 João 3:21:
παρρησίαν ἔχομεν πρὸς τὸν θεόν
parresían ékhomen pròs
tòn theón
confiança temos para com o Deus
2 Timóteo 2:24:
ἤπιον εἶναι πρὸς πάντας
Épion
eînai pròs pántas
meigo
ser com todos
Como vimos nos textos acima, a
preposição prós com o acusativo é invariavelmente traduzida por “com”,
ou “para com”, mas nunca como “em”.
Por que traduzir por “estava em Deus”?
Motivo 1: promover a teoria da “geração
eterna” do Filho
Certo comentarista tentou explicar
por dizer que ‘em João 1: 1 a palavra ou o plano do Evangelho estava na mente
de Deus, plenamente expressa em Deus, o Pai. A palavra era em relação a
[pros] Deus, era a preocupação de Deus’.
Os proponentes dessa forma de
traduzir a usam para tentar endossar a filosofia antibíblica da “geração
eterna” do Filho. Sobre isso, veja o que declarou um artigo publicado em La Vie Spirituele (n° 265, maio de 1942[3]:
O prólogo de São
João nos diz: No início era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus. […] A Revelação divina fez-nos
conhecer assim a infinita fecundidade da vida divina através do mistério da geração eterna do Verbo, Filho de Deus.
(Negrito acrescentado.)
Também, a obra “História dos Dogmas. O Deus de Salvação - Tomo 1” (p. 175, por Bernard Sesboue, J. Wolinski)
comentou:
A origem
eterna do Filho e do Espírito
A existência eterna dos Três só aparece
progressivamente em Tertuliano. No Contra
Hermógenes ele se interroga sobre o “começo”
que precede a criação. Sem falar ainda de “geração eterna” do Filho, ele já orienta seu pensamento neste
sentido por uma reflexão interessante sobre a noção de “começo”. Deixa claro
que o começo de que fala Pr [Provérbios] 8,22 não implica temporalidade. […]
Tertuliano dá um passo a mais no Contra Práxeas ao afirmar que a
Sabedoria [o Filho] já estava “em Deus”
antes de ser “constituída com vista às obras” de Deus:
Antes de todas as coisas Deus era só, sendo
ele mesmo por si só, e mundo e lugar e tudo. Só, pois fora dele nada mais
havia. E entretanto ele não estava só naquele momento, pois tinha consigo aquele que está nele, seu
Verbo (Ratio). Pois Deus é
racional (rationalis). (Negrito acrescentado.)
Outro artigo declarou sobre a
chamada “geração eterna do Filho”:
Pela
infinita fecundidade da natureza divina, Deus, contemplando-se a si mesmo, gera
seu Filho, imagem de sua bondade, figura de sua substância, esplendor de sua
glória, seu verdadeiro Filho, Deus como Ele, eterno e infinito como Ele.
É por isso que São João Evangelista chama ao Filho de Verbo. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus”. (EMMANUEL-ANDRÉ, Pe. O mistério da Santíssima Trindade. Niterói: Permanência, 2006. p.15-17; negrito acrescentado.)[4]
A obra “SALVATORIS DISCIPLINA. Dionísio de Roma e a Regula Fidei no debate teológico do III século” (p. 41), do bispo católico brasileiro Paulo Cezar Costa, traz o seguinte
comentário:
Para [Irineu], o Verbo coexiste eternamente
com o Pai.
Em Adv.
haer. II, 30, 9, ele diz: “O Filho que coexistia eternamente com o Pai
(Semper autem coexsistens Filius Patri)” […] Em Adv. haer. III, 18, 1 diz: “Pode-se mostrar com evidência, que o
Verbo, que desde o princípio estava em
Deus (Ostenso manifeste quod in princípio Verbum exsistens apud Deum) […]
que desde sempre existia com o Pai.
[…]; Adv. haer. IV, 20, 3:
“Amplamente demonstramos que o Verbo, isto é, o Filho, sempre esteve com o Pai. […] A. ORBE, Introducción a la teologia, 50-54 diz que dos textos citados não se pode concluir a coexistência eterna
do Filho com o Pai. (Negrito acrescentado.)
O pastor e escritor Sílvio Dutra,
em seu artigo “Declaração do Glorioso Mistério da Pessoa de Cristo”[6],
faz a seguinte afirmação:
Da geração eterna da pessoa divina do Filho, os escritores da antiga
igreja constantemente afirmaram firmemente que isto era para ser crido.
[…]
Clemente disse: “Ele ,
portanto, é a Palavra, a causa do nosso ser, pois ele estava em Deus, e a causa do nosso bem-estar.
Sobre a suposta validade da teoria
da “geração eterna”, veja os artigos abaixo:
Motivo 2: obscurecer a distinção bíblica
entre Jesus e Deus
C. Clifton Black, Otto A. Piper,
professor de Teologia Bíblica do Seminário Teológico de Princeton, em seu livro
Reading Scripture with the Saints
(“Lendo as Escrituras com os Santos”, p. 96),
comenta sobre prós traduzido como
“com”: “A preposição ‘com’ significa uma distinção. Assim, porque a Palavra
estava com Deus, o primeiro [a
Palavra] era distinto do último [Deus] como pessoa.”
Olhando desse ângulo, a tradução
“estava em Deus” parece uma tentativa de obscurecer esta distinção entre a
Palavra (Jesus Cristo como o Lógos) e Deus.
Contudo, encontramos esta
distinção em vários outros textos bíblicos:
“Eu lhe ordeno solenemente perante
Deus e Cristo Jesus.” – 2 Timóteo
4:1.
“Eu te mando solenemente, perante
Deus, e Cristo Jesus, e os anjos
escolhidos.” – 1 Timóteo 5:21.
“Conhecimento exato de Deus e de Jesus.” – 2 Pedro 1:2
“No Reino do Cristo e de Deus.” – Efésios 5:5
“A bondade imerecida do nosso Deus
e do Senhor Jesus Cristo.” – 2
Tessalonicenses 1:12.
“Diante de Deus, que preserva
vivas todas as coisas, e de Cristo
Jesus.” – 1 Timóteo 6:13.
Portanto, a Bíblia não faz apenas
distinção entre Jesus Cristo e o Pai, mas também entre Jesus Cristo e Deus,
visto que somente o Pai é o Deus supremo. Conforme o próprio Jesus Cristo
afirmou: “Que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro.” – João 17:3, Almeida Corrigida e Revisada Fiel.
Notas:
[1] Veja os artigos João 1:1 e a regra de Colwell (Parte 1); João1:1 e a regra de Colwell (Parte 2); e João 1:1 e a regra de Colwell (Parte 3).
[2]Disponível em: <http://www.capuchinhos.org/biblia/index.php/Jo_1>.
[3] Disponível em: <http://permanencia.org.br/drupal/node/341>.
[4] Disponível em: <http://www.saopiov.org/2011/04/santissima-trindade_11.html>.
[6] Disponível em: <https://estudos.gospelmais.com.br/declaracao-glorioso-misterio-da-pessoa-de-cristo.html>.
A
menos que haja uma indicação, todas as citações bíblicas são da Tradução do
Novo Mundo da Bíblia Sagrada, publicada
pelas Testemunhas de Jeová.
Contato: oapologistadaverdade@gmail.com
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ou republicados, desde que seja citada a fonte: o site www.oapologistadaverdade.org
Comentários
Toda via, ao apreciar a matéria fiquei angustiado ao "ver" que uma tradução tendenciosa, mudando apenas uma preposição, foi capaz de proporcional tamanha heresia.
Nitidamente, a Babilonia é GRANDE e Satanas é muito sagaz!